Os ganhos médios dos trabalhadores da Administração Pública são, para os mesmos níveis de escolaridade/qualificação, inferiores aos dos trabalhadores do Setor Privado.
Neste estudo compara-se os ganhos médios dos trabalhadores do setor privado, dos quadros de pessoal enviados pelas empresas ao Ministério do Trabalho, com os ganhos médios dos trabalhadores da Administração Pública (Central, Local e Regional), divulgados pela Direção Geral do Emprego Público e da Administração Pública (DGAEP). E conclui-se que os ganhos dos trabalhadores da Administração Pública já são inferiores aos do setor privado para idêntico nível de escolaridade/qualificação.
Este facto associado ao congelamento da Tabela Remuneratória Única da Função Pública, a um sistema de avaliação injusto que determina que a esmagadora maioria dos trabalhadores, para subir de nível, só o consiga ao fim de 10 anos, a que se junta ainda os obstáculos crescentes criados pelo Ministério da Finanças à contratação de novos trabalhadores com as competências necessárias para responder às necessidades de serviços públicos de qualidade que os portugueses necessitam e aos desafios que o país enfrenta, está a destruir a Administração Pública, deixando o Estado cada vez mais incapaz de fazer frente aos grandes grupos económicos e financeiros.
Como consequência da falta de trabalhadores com as competências necessárias, a solução tem sido o recurso crescente à contratação de empresas privadas para realizar serviços que deviam feitos por trabalhadores da Administração Pública, constituindo isso uma fonte importante de lucros para estas, e um instrumento de privatização dos serviços públicos
Uma informação aos beneficiários da ADSE e aos portugueses da forma como ainda funciona a Administração Pública Portuguesa
Antes de iniciar o estudo desta semana, quero dizer aos beneficiários da ADSE que, depois da denuncia publica que fiz no estudo da semana anterior (A situação da ADSE) de que o processo para a contratação de trabalhadores que a ADSE necessita, estava parado desde dez.2020 no Ministério das Finanças por falta de despacho, e de que a Secretária de Estado do Orçamento ter despachado no domingo, portanto no dia em que divulguei a informação, não pensem que o calvário para contratar os trabalhadores que a ADSE precisa terminou. Agora é exigido um novo despacho das duas tutelas – MMEAP e Ministério das Finanças – para poder prosseguir o mesmo concurso. E isto só para contratar 23 trabalhadores dos 3008 candidatos que se inscreveram em janeiro de 2020. Parece impossível, mas é assim que funciona ainda a nossa Administração Pública o que torna impossível qualquer gestão eficiente e eficaz, e tem consequências graves para todos os portugueses. Mas foi assim que Mário Centeno conseguiu o “milagre” de um saldo positivo, e João Leão pretende reduzir rapidamente o défice orçamental. Prometo ir revelando os sucessivos episódios desta novela para conhecimento dos beneficiários da ADSE e dos portugueses.
Estudo
Os ganhos médios dos trabalhadores da Administração Pública são, para os mesmos níveis de escolaridade/qualificação, inferiores aos dos trabalhadores do Setor Privado
É habitual ler-se ou ouvir-se na comunicação social que as remunerações dos trabalhadores da Administração Pública são muito superiores às dos trabalhadores do setor privado. Este é o argumento habitual de todos os que atacam estes trabalhadores essenciais para todos os portugueses, porque garantem o funcionamento dos serviços públicos indispensáveis à população, como são os serviços de saúde, de ensino, de segurança social, a segurança das pessoas e das propriedades, etc. Por ignorância ou com o objetivo deliberado de manipular a opinião publica, comparam a remuneração média paga no setor privado com a remuneração média paga no setor público.
Em 2019, e são últimos dados publicados no Boletim Estatístico do Ministério do Trabalho de abril de 2021, a remuneração base média no setor privado era de 992,5€, enquanto na Administração Pública, segundo a DGAEP do Ministério das Finanças, era de 1483,4 €, mais 490,9€. A nível ganhos médios a diferença era de 579€. E logo aqueles que atacam os trabalhadores da Administração Pública afirmaram que estes trabalhadores são uns “privilegiados”. Infelizmente, alguns jornalistas, repetem o mesmo sem se darem ao trabalho de investigar ou de procurar o contraditório, base de um jornalismo objetivo.
O erro deliberado ou inconsciente resulta de se estar a comparar duas realidades completamente diferentes, como vou mostrar neste estudo utilizando apenas dados oficiais do INE, da DGAEP do Ministério das Finanças (agora do MMEAP) e do GEP do Ministério do Trabalho.
Os níveis de escolaridade e de qualificações são completamente diferentes na Administração Pública e no Setor Privado
O quadro 1, com dados do INE e da DGAEP do Ministério das Finanças revela que os níveis de escolaridade e, consequentemente, de qualificação, porque normalmente os segundos dependem dos primeiros, dos trabalhadores do setor privado e da Administração Pública são muito diferentes.
Quadro 1 – Níveis de escolaridade dos trabalhadores do Setor privado e da Administração Pública-2019
Como revela o quadro 1, a percentagem de trabalhadores da Administração Pública com apenas o ensino básico (22,1% do total) é menos de metade da do setor privado (45,1%) e, por outro lado, a percentagem dos trabalhadores com o ensino superior na Administração Pública (53% do total) é mais do dobro da do setor privado (24,4% do Total). Estamos a trabalhar com dados de 2019, pois são os que existem publicado para os dois setores e para o mesmo ano. Mas a realidade atual é certamente a mesma.
Comparar remunerações médias de setores com estruturas de pessoal (níveis de escolaridade e qualificações) tão diferentes, que revelam realidades muito distintas, só pode ser entendido como ignorância (falta de investigação) ou com a intenção deliberada de manipular/enganar a opinião publica contra os trabalhadores da Administração Pública. Infelizmente vários órgãos de comunicação social têm participação na divulgação destas afirmações e destes “estudos” sem investigar se é verdade e sem contraditório.
Se comparar os ganhos dos trabalhadores com o mesmo nível de escolaridade os da Administração Pública são já inferiores aos do Setor Privado
O quadro 2, com dados do Ministério do Trabalho sobre o setor privado, e do Ministério das Finanças (MMEAP) sobre o setor público, mostra que, contrariamente à mensagem que se procura passar junto da opinião pública, para idênticos níveis de escolaridade, o ganho médio mensal na Administração Pública (Central, Local e Regional) é inferior ao pago pelo setor privado.
Quadro 2 – Ganho médio mensal no setor privado e na Administração Pública
O ganho médio mensal, que inclui tudo o que trabalhador recebe, nas Administrações Públicas de centenas de milhares de trabalhadores (só os Assistentes operacionais são 164.813, e os Assistentes Técnicos mais 90.260) é inferior ao do setor privado com idêntico nível de escolaridade, mesmo quando comparamos o do setor privado de 2019 com o da Administração Pública de 2021(quadro 2). A mentira sobre a Administração Publica torna-se assim clara.
Será que os trabalhadores do Setor Privado tiveram um aumento de 0,3% em 13 anos?
O quadro 3, mostra a variação na Tabela Remuneratória Única da Administração Pública.
Quadro 3 – Os aumentos verificados nas remunerações base e no subsídio de refeição dos trabalhadores das Administrações Públicas no período 2007/2021
Entre 2010 e 2021, em 13 anos as remunerações da Tabela Remuneratório Única da Administração Pública (Central, Local e Regional) só tiveram um único aumento ridículo de 0,3%, que revela uma falta de consideração pelo trabalho importante para os portugueses realizado por estes trabalhadores. Entre 2009 e 2020, os preços (IPC) aumentaram 11,7% segundo o INE; verificou-se um enorme aumento do IRS que atingiu todos os portugueses e também os trabalhadores da Função Pública, ainda não totalmente revertido; e o desconto dos trabalhadores e aposentados da Função Pública para a ADSE subiu 133% (de 1,5% para 3,5%, 624M€ em 2020).
75% dos trabalhadores da Função Pública só sobem de nível ao fim de 10 anos
Os trabalhadores da Administração Pública são avaliados de dois em dois anos pelas chefias, com base num sistema de avaliação (SIADAP) contestado pelos sindicatos. E a lei só permite que se atribua a classificação de “Relevante” no máximo a 25% dos trabalhadores, o que significa que as chefias são obrigadas a atribuir a classificação de “Adequado” ou “Inadequado” aos restantes mesmo que, pelo trabalho que realizaram, mereçam mais. E classificação de “Adequado” corresponde a 1 ponto dos 10 pontos que o trabalhador tem de acumular para subir de nível na Tabela Remuneratória.
Portanto, durante toda a sua vida ativa, se não se verificar atualizações na Tabela Remuneratória Única, como está a suceder, o trabalhador só tem a certeza de ter 4 aumentos na sua remuneração num período de 40 anos.
É esta a realidade na Administração Pública que muitos procuram ignorar ou visando a enfraquecer para assim dar mais para lucro aos privados. E para agravar esta situação, em clara violação da lei (Regime Geral de Trabalho em Funções Públicas), o Ministério das Finanças quer impedir aumentos das remunerações por opção gestionária dos dirigentes máximos dos serviços, que por lei têm essa competência desde que o orçamento o permita (art.º 158 da Lei 35/2014) pretendendo que esses aumentos só possam ser realizados com a sua autorização prévia.
A Administração Pública caminha para um declínio ainda maior, é o alerta que deixo
Com as dificuldades colocadas pelo Ministério das Finanças ao recrutamento de novos trabalhadores, de que a ADSE é apenas um exemplo; com o congelamento da Tabela Remuneratória; com um sistema de avaliação anacrónico e injusto; com a impossibilidade de compensar devidamente os trabalhadores mais competentes e com melhores resultados, e com remunerações inferiores às do setor privado, a Administração Pública enfrenta uma grave crise pois está impedida de contratar os trabalhadores que necessita com as competências indispensáveis para poder modernizar-se e responder aos desafios presentes e futuros do país.
O governo pretende maior digitalização dos serviços públicos, mais SIMPLEX (ver PRR) mas sem trabalhadores com as competências necessárias é impossível. O recurso é a contratação de empresas privadas, fonte de enormes lucros para estas, e a privatização de facto dos serviços da Administração Pública, o enfraquecimento e desorganização desta que favorece os grandes grupos económicos e financeiros que enfrenta assim um Estado cada vez mais fraco e sem meios para defender o país e os portugueses. Só não vê quem é cego ou quem está empenhado na fragilização da Administração Pública.