A Covid-19 faria vítimas, sem dúvida, mas quantos poderiam não ter morrido se o Governo não tivesse sabotado tanto a compra de vacinas e o isolamento social, se não tivesse iludido milhares com a lenda da cloroquina, se Bolsonaro não tivesse apostado na superação da pandemia provocando a imunidade coletiva através da contaminação desenfreada?
Esta é uma das perguntas que não calam no peito dos milhares de brasileiros que perderam seus entes queridos e nem puderam lhe dar um enterro digno. E esta resposta, garante o relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros, será dada pela CPI. “Nós vamos chegar aos números do morticínio, chame-se ele de genocídio ou não”.
A partir dos depoimentos de Carlos Murilo, da Pfizer, de Dimas Covas, do Butantã, e de outros fabricantes que ainda serão ouvidos, valendo-se de estatísticos e outros especialistas, a CPI chegará à conta das vidas perdidas criminosamente. “Esta resposta nós vamos dar à sociedade brasileira”, garantiu o senador em entrevista ao Bom Dia 247 de segunda-feira, 31 de maio, em que apontou os próximos caminhos.
Mais tarde, ao saber que o governo prepara a realização da Copa América no país Renan chamou o evento de “campeonato da morte”, considerou a medida um desatino e uma ofensa aos brasileiros. “Foi o desespero que levou às pessoas às ruas no sábado. Mas foi uma manifestação pela vida, ao contrário de outras que assistimos”.
Nesta terça-feira, primeiro de junho, está na CPI a médica Nise Yamaguchi. “Não queremos discutir eficácia da cloroquina com ela. Queremos que ela nos fale do gabinete paralelo, do gabinete da morte que aconselhava Bolsonaro. Precisamos saber quem o convenceu da tese da imunidade de rebanho, quem levou o governo a investir na cloroquina para convencer as pessoas de que poderiam se contaminar porque haveria remédio, mesmo quando a ciência já havia descartado seu uso pela ineficácia e pelos efeitos colaterais”. Mais tarde se soube que a médica tinha reuniões fora de agenda com a cúpula do ministério da Saúde.
“Nós já temos provas da existência do gabinete paralelo, sabemos como atuavam, como despachavam com o presidente da República, quase diariamente”, diz o relator, apontando outros nomes que ainda serão ouvidos, a começar do deputado Osmar Terra, “um expoente da defesa pública da imunidade de rebanho”. A médica Ludhmila Hajjar, que foi ministra por algumas horas e desistiu do cargo, sob ataques dos bolsonaristas, também deve ser chamada e pode ter muito a dizer.
Nos próximos dias o ex-ministro Pazuello será ouvido novamente pela CPI. “Ele contou 20 mentiras à CPI mas já foi desmoralizado pelos fatos, na medida em que outros depoimentos expuseram suas contradições e omissões. Ouvi-lo novamente será uma ação pedagógica”.
Outro que voltará é o atual ministro da Saúde Marcelo Queiroga. Como diz Renan, quando ele depôs “dizia não saber nada do ministério, nada sabia sequer sobre a execução orçamentária, e nada podia dizer sobre cloroquina porque a Conitec ainda não havia emitido seu parecer”.
Mas externou divergências com o presidente da República, defendeu o uso de máscaras, o isolamento social e as vacinas. “Como Bolsonaro continua fazendo o que sempre fez, e ele silencia, está se tornando cúmplice. Queremos saber se ele discorda do que faz o presidente ou se está de acordo”.
Ainda em relação à cloroquina, Renan diz que um próximo passo será “seguir o dinheiro”, identificando quem ganhou com a distribuição em massa do remédio que foi fabricado pelo Exército mas muito vendido também por laboratórios privados, que contaram até com a ajuda do Itamaraty para importar insumos.
Um nova vertente será aberta com a investigação sobre o morticínio entre os povos indígenas, o que caracteriza mais claramente o genocídio, por tratar-se de etnia específica. Eles foram bombardeados com cloroquina e enfrentaram imensas provações, como cortes de cestas básicas durante a pandemia.
Renan está propondo à CPI duas mudanças operacionais. Uma, que passem a realizar audiências também nas sextas-feiras de manhã. Outra, que seja reduzido o tempo de 15 minutos para cada senador fazer perguntas. “É muito tempo, e os governistas aproveitam para fazer proselitismo da cloroquina e negar o negacionismo governamental. Não há como ter acordo com aqueles quatro. Eles não querem investigar nada”.
O roteiro do trabalho está claro, portanto. Da soma das investigações sobre sabotagem às vacinas e ao isolamento social, sobre a existência do gabinete paralelo e o uso massivo da cloroquina, e do inventário de tudo o que o presidente fez e continua fazendo, dobrando sua aposta no negacionismo, resultará o relatório que apontará os números da mortandade evitável e a lista dos criminosos, encabeçada pelo nome de Jair Messias Bolsonaro.
Texto original em português do Brasil