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Sexta-feira, Dezembro 20, 2024

Renascer eternamente

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

Poemas de Delmar Maia Gonçalves

I

“Potência dos impotentes”

No sonho nostálgico
de um regresso anunciado
revejo mofanas adultos semi-nús e descalços
deambulando pelas ruas
do Maputo maputense

De pistola em punho
surge um vulto
que prontamente ordena:
-Me passa cá tudo, já muzungo de um raio!
A vítima recusa ceder
e dedo no gatilho
a pistola dispara-se
foi o instinto, é a regra
O assaltado cai inerte
o assaltante mostra-se sem receio
Sim, sem receio. Pensa que está inocente
sente-se inocente, apenas se finge criminoso
está criminoso, circunstancialmente criminoso!

Mas…
quem forneceu a arma,
quem premiu o gatilho(?)

O vulto é afinal um mofana
que quer sobreviver
na enorme selva de cimento
É uma questão de sobrevivência.

Assisto impotente
ao trágico desenlace
mas sei que sou potente
Acordo
e ainda há esperança.

II

“Séfora”

Os grilos cantavam
alegremente
melodias da primavera
os lábios dançavam ondulando
e Séfora procurava
futuro melhor
acompanhando as melodias
com alegria e cantarolando
Um dia…
quando Séfora
retornava a casa
foi impedida para sempre
de desabrochar
alegremente…!
Contra tudo
e contra todos
um predador humano
havia-se antecipado
impedindo
que a lei da natureza
concretizasse o futuro
E os grilos cantaram
nesse dia
a melodia mais triste de sempre
e os lírios secaram e arderam
porque Séfora
adormecera para sempre!

III

“Mofana Matusse”

O mofana Matusse
queria sonhar mas não sabia como
o seu sonho chamava-se pesadelo
e o seu pesadelo era a guerra
Toda a gente
se habituou a ver o mofana Matusse chorar
toda a gente o chamava chorão
Foram anos de solidão e tristeza!
De repente
o mofana Matusse reaprendeu a sorrir
e ninguém compreendeu porquê
Mas sei eu
e digo-vos:
o mofana Matusse reaprendeu a sorrir
com o fim da guerra
o mofana Matusse
dança, canta e pula
com o fim da guerra
o mofana Matusse
corre, salta e joga
com o fim da guerra
o mofana Matusse
cultiva a paz, o amor e a amizade
para que a guerra
não volte jamais.

IV

“Impotência”

Nem a minha
engenharia cerebral
pensadora e reflexiva
nem a minha
mais humilde gramática
chuabo
conseguem encontrar
resposta lógica
e racional
para o miserável conformismo africano
no culto da mendicidade
Onde pára
o orgulho africano?

V

“História de Maria preta relembrada”

(lembrança do que também aconteceu)

Maria preta
gosta de amar
homem branco

Maria preta
gosta de amar
homem branco
que é seu dono

Maria preta
gosta de amar
homem branco
que é seu patrão

Maria preta
leva chicotada
por falar chuabo
que não é civilizado
em frente
de homem branco
que é seu
amante, dono e patrão.

VI

“Seis propostas de um moçambicano para a definição da palavra Liberdade”

Liberdade
é pôr fim à miséria
Liberdade
é vencer a ignorância
Liberdade
é combater a fome
Liberdade
é vencer a corrupção
Liberdade
é cultivar a paz!

VII

“Renascer eternamente”

Sentir que todos os dias
renasço para a vida
Estar em permanente luta
com a rotina
Quem seria
sendo rotineiro?
E quem serei
sendo diferente?

VIII

As mulheres bárbaras
são férteis monjas de Afrodite
deixaram nos muros do convento profanado
sua castidade beatífica
abraçando danças e devaneios de luxúria.

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