À procura de NEMO – (Novas Escolhas Mais Oportunidades?)
Objectivo número um: Tornar a sociedade mais justa, reduzir a pobreza e a exploração, oferecer maior liberdade ao indivíduo. Dizem ser o caminho alternativo ao neo-liberalismo e ao socialismo. Os opositores dizem ser uma ratoeira para aumentar o consumo produzido pelas economias emergentes. Um novo direito humano debate-se pela Europa e pelo Mundo.
A implementação de um rendimento básico, que seja universal e independente da situação financeira, familiar ou profissional, esteve em discussão em Lisboa, durante a passada semana, No âmbito da 17ª edição do Congresso Mundial do BIEN (Basic Income Earth Network), vários especialistas nacionais e internacionais na área, representantes de partidos políticos, da sociedade civil e de entidades empresariais debateram vocábulos para uma nova ordem mundial. Reflectiram sobre desigualdades sociais, desemprego estrutural e sustentabilidade da Segurança Social.
De acordo com a primeira sondagem a nível da União Europeia – sobre “um rendimento pago incondicionalmente pelo Governo a cada indivíduo, independentemente de se estar a trabalhar ou não ou de se ter outras fontes de rendimento” – a maioria dos europeus apoia a ideia. O inquérito, realizado pela empresa alemã Dalia Research, em Abril do ano passado, revela que 64% votariam a favor e 4% deixariam de trabalhar.
A proposta de reorganizar a distribuição de rendimentos na sociedade, ao acrescentar uma quantia a todas as outras prestações sociais, saltou da academia para o debate político em países como a Finlândia, Holanda, Suíça, França, Brasil, EUA ou Canadá. O tema não é novo: desde o século XVI com a “Utopia” de Thomas More até à década de 60, com o Nobel Milton Friedman no livro “Capitalismo e Liberdade”, vários têm sido os seus defensores. Nas últimas três décadas, o filósofo belga Philippe Van Parijs é o rosto mais conhecido na sua divulgação.
Progresso ou armadilha?
O grupo de activistas e académicos que fundou o BIEN promete que a inversão da lógica actual representa um progresso para a sociedade. Desta forma, os trabalhos domésticos, o tempo investido a cuidar dos filhos e dos familiares, ou o serviço voluntário passariam a contar com um incentivo. Esta regra acabaria por contrariar o senso comum de que quanto maior for o salário, mais útil se é na comunidade. Rapidamente há quem riposte: o trabalho continua a ser o melhor meio de inserção na sociedade e a frustração de quem não trabalha acaba por fabricar sociedades disfuncionais.
Se para os críticos, o RBI convida à preguiça e poderia transformar-se num incentivo à improdutividade, para os preponentes o desafio é lançar a criatividade e promover a motivação. Se os adversários apontam o aumento do ócio, ou as reservas morais relativamente à universalidade para os ricos, os adeptos assinalam maior liberdade e maior poder na altura de dizer “não” a um trabalho desmotivante ou inumano. Significará este caminho o fracasso da luta pelo pleno emprego e contra o subemprego, que se adivinha com a quarta revolução industrial? Será esta a fuga para salvar o capitalismo das suas contradições? A alternativa está no cento dos prós e os contras da equação.
O resultado em tons rosa seria uma economia mais eficiente, já que o sistema se propõe como alternativa ao neo-liberalismo, dependente do mercado, e ao socialismo, dependente do Estado. O efeito controverso, apontado pelos opositores é fixado no aumento das contas públicas, na pressão para baixar os salários dos empregados ou na exigência de consenso social alargado que dificilmente será alcançado.
Do Alasca chega uma das experiências piloto mais antigas, onde ricos e pobres recebem um RBI que advém da exploração de riquezas naturais, como o petróleo. Aqui, distribui-se por todos, o que afinal pertence a todos. Em Macau aplica-se parte das receitas auferidas em jogos, que são partilhadas pelos residentes. Além da criação de fundos (alimentados pela riqueza da energia do mar ou do sol ou pela taxa de turismo), a transformação do sistema de impostos com o aumento da taxação dos rendimentos de capitais, por exemplo, é outra das vias de financiamento. Adiantam que a implementação do RBI acabaria ainda por trazer maior sustentabilidade à segurança social.
Resistências à esquerda e à direita
“Não negue à partida uma ciência que desconhece”. Esta parece ser a máxima das vozes activas do movimento, que convidam à reflexão e sugerem o bloqueio da classe política e da opinião pública como o maior entrave à implementação do RBI. Há demasiados mal-entendidos que criam anticorpos e levam à resistência, dizem. Estranha-se que cada vez mais liberais sustentem a existência de um subsídio para a todos, contrapõem os adversários.
Excentricidade ou alternativa estratégica ao desemprego? Bandeira para uns, utopia para outros, e escândalo para muitos, a ideia já foi referendada na Suiça e chumbada por cerca de 77% dos eleitores. Por ser uma questão de consciência e não partidária, quer à esquerda quer à direita sentam-se advogados de defesa e opositores convictos. Em Portugal, apenas o PAN e o Livre têm carimbado argumentos a favor.
Já o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social desabafou publicamente ter “sentimentos cruzados”, sobre a aplicação da medida. Apesar de encontrar generosidade na iniciativa, Vieira da Silva questiona se “ao abraçar esta ideia numa lógica de equidade não significa desistir da ambição do direito universal ao trabalho”.
Pedro Ramajal, da Comissão Organizadora da Semana Rendimento Básico e membro do RBI Portugal, acredita que o movimento vai conquistar cada vez mais apoiantes ao defender que toda a sociedade tem a ganhar, já que “as desigualdades são inimigas do bom desempenho da economia”
“O Rendimento Básico Incondicional (RBI) começa a ser levado a sério em Portugal”
Jornal Tornado: Depois do Congresso e da Semana Portuguesa do Rendimento Básico Incondicional (RBI), que balanço faz, sente que houve alguma mudança relativamente à implementação da ideia em Portugal?
Pedro Ramajal: O facto de um congresso mundial do movimento RBI se ter realizado em Lisboa demonstra o reconhecimento da direcção do BIEN quanto ao crescimento do movimento em Portugal. O primeiro dia do Congresso teve lugar na Assembleia da República, com um dos seus vice-presidentes, Jorge Lacão, a dar as boas vindas aos congressistas e o facto de terem aceitado participar nos debates personalidades em representação de partidos de esquerda (a excepção foi o PCP), como Francisco Louçã, que debateu com Eduardo Suplicy, (fundador do PT brasileiro e um dos pais do RBI) na última sessão plenária, provam que o RBI, também em Portugal começa a ser levado a sério.
Como pode ser a implementação de um Rendimento Básico Incondicional a forma mais justa de modelo social, independentemente dos rendimentos de cada um?
O RBI é uma prestação pecuniária (Rendimento) paga pelo Estado a todos e a cada um dos seus cidadãos, ligeiramente acima do valor do limiar da pobreza (Básico) – 421 euros em Portugal, em 2015 – independentemente de quaisquer outros rendimentos que possa auferir ou de qualquer outra condição(Incondicional). Se o direito é universal, tal não significa que todos os cidadãos veriam acrescentados os seus outros rendimentos em 400 e tal euros. O RBI é uma medida redistributiva que garante que ninguém viva abaixo do limiar de pobreza. Beneficia a base da pirâmide de rendimentos e prejudica o topo.
Prejudica o topo de que forma?
O RBI necessita, obviamente, de ser financiado. Uma das formas de o conseguir será seguramente, através de uma reforma fiscal, embora se possam considerar outros meios, alternativos ou complementares. E como qualquer outra prestação de carácter social que dependa de impostos, quem mais tem é quem mais paga.
Este esquema alternativo de redistribuição não pode matar o Estado Social?
O Estado Social está desde sempre sob o assédio dos interesses privados, das seguradoras e dos grupos económicos da saúde. É verdade que há quem defenda o rendimento básico como via para liquidar o estado social. Não é, de todo, essa a perspectiva do BIEN. O que se pretende é sim acrescentar os meios necessários a uma vida minimamente digna às restantes vertentes do estado social.
Quem verdadeiramente beneficia com a urgência de novas formas de organização da sociedade?
Antes de mais, os 99% da humanidade, à custa de quem vivem os restantes 1%. E depois, toda a sociedade ganha, na medida em que já está cientificamente demonstrado que as desigualdades, que cresceram exponencialmente nos últimos trinta anos, são inimigas do bom desempenho da economia.
Por que motivo em Portugal o RBI tem poucos defensores, tanto à esquerda como à direita?
A juventude do movimento em Portugal, que conta apenas com três, quatro anos de existência, será uma das razões. Mas são cada vez mais as necessidades de um debate. E com cada vez mais experiências- piloto a decorrer por esse mundo fora, estou certo de que vamos assistir a um crescimento dos seus apoiantes também em Portugal.