O novo relatório da Amnistia Internacional, sobre a situação de direitos humanos no mundo, foca-se no Médio Oriente e Norte África. No último ano, registaram-se ondas de protestos em diversos países, como Argélia, Iraque, Irão e Líbano. Um sinal de esperança e de força do povo.
Contudo, em alguns casos, a repressão foi sangrenta. No Iraque, morreram mais de 500 pessoas. No Irão, o número ultrapassa os 300.
Na região do Médio Oriente e Norte África, persiste a perseguição de críticos pacíficos e defensores de direitos humanos. E nem o mundo digital foge ao controlo. A Amnistia Internacional contabilizou, pelo menos, 136 prisioneiros de consciência, detidos em 12 países, por expressarem a sua opinião em plataformas online.
- Relatório de 2019 sublinha que manifestantes recusaram o silêncio em diversos países do Médio Oriente e Norte de África
- No Iraque, morreram mais de 500 pessoas e, no Irão, o número ascende a 300
- Pelo menos 136 prisioneiros de consciência detidos em 12 países devido a posições expressas em plataformas digitais
Uma determinação arrepiante para esmagar protestos, através da violência das autoridades, marcou 2019 em diversos países do Médio Oriente e do Norte de África. No relatório anual sobre a situação de direitos humanos na região, a Amnistia Internacional descreve como as queixas dos manifestantes acabaram reprimidas, silenciando críticos pacíficos que saíram às ruas e expressaram as suas opiniões em plataformas online.
Os manifestantes provaram que não conseguem ser intimidados e obrigados ao silêncio pelos governos”
“Numa demonstração inspiradora de desafio e determinação, multidões na Argélia, no Irão, Iraque e Líbano foram para a rua – em muitos casos arriscando a vida – para exigir os seus direitos humanos, dignidade, justiça social e o fim da corrupção. Os manifestantes provaram que não conseguem ser intimidados e obrigados ao silêncio pelos governos”, afirma a diretora regional para o Médio Oriente e o Norte de África da Amnistia Internacional, Heba Morayef.
No entanto, a responsável sublinha que 2019 “mostrou que a esperança se mantém viva”, mesmo após os terríveis acontecimentos de 2011, na Síria, no Iémen e na Líbia, ou do catastrófico declínio dos direitos humanos no Egito. “A crença das pessoas no poder de mobilização de todos pela mudança foi revivida”, nota.
Protestos esmagados
Em toda a região do Médio Oriente e do Norte de África, as autoridades adotaram uma série de táticas para reprimir as ondas de protesto, prendendo de forma arbitrária milhares de pessoas e, em alguns casos, recorrendo a força excessiva ou até letal.
No Iraque, pelo menos 500 manifestantes morreram, após terem sido vítimas de disparos com fogo real, ataques de atiradores especiais e granadas de gás lacrimogéneo lançadas a curta distância. No Irão, informações credíveis indicam que as forças de segurança mataram mais de 300 pessoas e feriram milhares em apenas quatro dias, entre 15 e 18 de novembro. A resposta musculada seguiu-se a protestos contra o aumento nos preços dos combustíveis. A Amnistia Internacional documentou detenções, desaparecimentos forçados e casos de tortura.
Em Israel e nos Territórios Palestinianos Ocupados (TPO), mulheres palestinianas protestaram contra a violência de género e a ocupação militar israelita. Em Gaza e na Cisjordânia, dezenas de palestinianos foram mortos durante manifestações.
“Os números chocantes de manifestantes mortos no Iraque e no Irão ilustram o extremo até onde estes governos estavam preparados para ir e silenciar todas as formas de dissidência”, denuncia o diretor de investigação e advocacia para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Philip Luther, que lembra ainda a “política de força excessiva, inclusive letal, de Israel contra manifestantes, que continuou inabalável”.
Na Argélia, onde protestos em massa levaram à queda do presidente Abdelaziz Bouteflika, após 20 anos no poder, as autoridades tentaram limitar os protestos através de detenções arbitrárias em massa e acusações na justiça contra manifestantes pacíficos. No Líbano, a partir de outubro, a insatisfação saiu à rua e fez cair o governo. Mas esta luta popular também enfrentou a aplicação ilegal e excessiva de força.
No Egito, registaram-se protestos, em setembro, que apanharam de surpresa as autoridades. Na resposta, foram feitas detenções arbitrárias de mais de quatro mil pessoas.
Dissidência online
Os governos da região visaram ainda quem exerce os seus direitos à liberdade de expressão online. Jornalistas, bloggers e ativistas que publicaram declarações ou vídeos considerados críticos das autoridades em redes sociais foram alvo de detenções, interrogatórios e processos na justiça.
Dados da Amnistia Internacional apontam para a detenção de 136 pessoas em 12 países, durante 2019, apenas pela partilha de opiniões em diversas plataformas digitais. O acesso a conteúdos e informações também não foi sempre garantido. Por exemplo, durante os protestos no Irão, as autoridades decretaram um apagão quase total da Internet para impedir que fossem partilhados vídeos e fotografias da atuação das forças de segurança, responsáveis pela morte de manifestantes. O país continuou a proibir o acesso a plataformas como o Facebook, Telegram, Twitter e YouTube.
No Egito, aplicações de troca de mensagens deixaram de funcionar na tentativa do poder impedir novos protestos. As autoridades também recorreram à censura de páginas, nomeadamente de notícias. O mesmo foi feito por responsáveis palestinianos.
Alguns governos usaram técnicas mais sofisticadas de vigilância online para atacar os defensores dos direitos humanos. A investigação da Amnistia Internacional debruçou-se sobre a forma como dois cidadãos marroquinos foram atacados através de um spyware desenvolvido pelo NSO Group. Anteriormente, tecnologia desenvolvida pela mesma empresa israelita tinha sido usada para visar ativistas na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos, além de um membro da Amnistia Internacional.
“O facto de os governos adotarem uma abordagem de tolerância zero à expressão pacífica na Internet mostra como temem o poder das ideias que desafiam as narrativas oficiais. As autoridades devem libertar todos os prisioneiros de consciência, imediata e incondicionalmente, e parar de perseguir críticos pacíficos e defensores dos direitos humanos”, exige Philip Luther.
No total, a Amnistia Internacional contabilizou 367 defensores de direitos humanos detidos e 118 acusados, ao longo do ano passado. Contudo, os números reais são, provavelmente, bem maiores.
Sinais de esperança
Apesar de existir uma impunidade contínua, podemos falar em alguns sinais positivos em 2019. O Tribunal Penal Internacional (TPI) abordou os crimes de guerra cometidos nos Territórios Palestinianos Ocupados, defendendo a abertura de uma investigação para acabar com décadas de injustiça.
Na Tunísia, a Comissão da Verdade e Dignidade publicou um relatório e 78 julgamentos foram iniciados em tribunais criminais, oferecendo uma rara oportunidade de as forças de segurança serem responsabilizadas por abusos no passado.
No plano dos direitos das mulheres, a repressão continuou a fazer parte do dia a dia de muitos ativistas, particularmente no Irão e na Arábia Saudita. Ainda assim, este último introduziu reformas há muito esperadas no sistema de tutela masculina. No entanto, as alterações acabaram ofuscadas pela não libertação de cinco defensoras de direitos humanos que continuam detidas pelo seu ativismo.
Vários Estados do Golfo também anunciaram reformas para melhorar a proteção dos trabalhadores migrantes, incluindo o Qatar, que prometeu abolir o sistema kafala e melhorar o acesso à justiça. A Jordânia e os Emirados Árabes Unidos fizeram o mesmo, mas não foram registadas alterações para acabar com a exploração e o abuso generalizados em toda a região.
“Os governos devem perceber que a repressão de protestos e a prisão de críticos pacíficos e defensores dos direitos humanos não vão silenciar as exigências das pessoas por direitos económicos, sociais e políticos fundamentais”, avisa Heba Morayef.
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