Resto Zero n’A Barraca conta da Paz e da Guerra no ano do Centenário do Armistício.
Num espaço secreto do TeatroCineArte, Rita Lello desdobra-se nas 5 personagens de que Ismena necessitará para vos contar a Antígona de Sófocles.
A Barraca apresenta em Dezembro/18 e Janeiro/19 um poema cénico da autoria de José Watanabe (1946-2007) reconhecido poeta, dramaturgo e argumentista Peruano no qual se propõe uma reflexão sobre a memória da guerra.
Em cena às Quintas e Sextas as 21.30h e Sábados às 17.30 h
Ao escolher a voz de Ismena, a irmã sobrevivente de Antígona, como voz única desta narrativa, Watanabe escolhe pôr em cena não a heroína mas a pessoa, não a dimensão mítica mas a humana. Ismena encarna a memória viva, ela é a última testemunha, a sobrevivente, a voz que fica para contar uma guerra que nunca teria coragem para provocar.
Este espectáculo, construído em colaboração com olhar atento e amigo do Ivo Canelas, apresenta-se como uma homenagem a todos os caíram e caem todos os dias mas também aos que ficaram, aos que ficam, sozinhos a braços com as ausências e os destroços provocados por guerras que nunca pela sua mão deflagrariam. Para que nunca mais aconteça.
Sobre o Espectáculo, sobre o Mundo, sobre o Texto e sobre mim
Quando em 2008 fizemos na Barraca a Antígona de Sofocles surgiu-nos nas pesquisas este texto que levamos agora ao público. Não a cena, porque não o veremos no palco mas numa entre câmara secreta: um espaço neutro, terra de ninguém sobre a bancada da Sala 1 e debaixo da bancada da Sala 2 – sempre me fascinou esta dependência secreta no grande edifício do Cinearte que não se vê se não lhe conhecermos as entranhas.
Este texto esteve estacionado na minha memória desde que o li depois de há dez anos, ter dado corpo, alma, suor e lágrimas à Heroína de Sófocles. Antígona, irmã dedicada que, num desespero e solidão que sempre me pareceu suicida, decide cumprir uma lei maior, dar sepultura ao cadáver do irmão, invasor proscrito, e desafiar o decreto de um tirano que literalmente da noite para o dia se coroa rei e promulga o édito que desrespeita uma lei maior do que ele próprio: “A Polínices não o hão-de sepultar.”
No ano em que se comemora o centenário do armistício da primeira Grande Guerra num planeta moribundo a asfixiar, e com uma humanidade a braços – outra vez… não aprendemos nada – com a guerra, o terror, a xenofobia, a intolerância, o racismo, a eugenia e um assustador e crescente renascimento do fascismo; a chegada ao poder de tiranos prepotentes que mandam abater imigrantes ou defendem – em campanha eleitoral e ganham, pasme-se – a tortura, a perseguição política e homofóbica e a delação como práticas aconselháveis; num mundo em que os regimes assassinam e desmembram os seus críticos; com um Mediterrâneo onde jazem por sepultar milhares de corpos de homens, mulheres e crianças que morreram a fugir à guerra e ao terror de verem ser destruídas as suas cidades, as suas escolas, os seus hospitais, as suas casas sob os olhares impávidos e cínicos de uma União Europeia e de um mundo sem compaixão; apeteceu-me fazer passar pela voz as palavras de Watanabe nesta revisitação a um texto fundador da nossa cultura ocidental no qual se discute o valor da Justiça e da Lei.
A discussão eterna sobre a questão de quem é o protagonista de Antígona leva-me a pensar, justamente, que Antígona e Creonte têm no texto Clássico espaço para dividir esse protagonismo. Ao invés de analisar quem é o protagonista, como se só pudesse haver um, porque não aceitar simplesmente que cada um tem peso equivalente nos pratos da balança que mede a ideia de protagonista? Não reflecte Sófocles sobre Lei e Justiça na sua Antígona? No tribunal que é o seu texto é justo que ambas as partes tenham pesos equivalentes.
No texto de Watanabe é Ismena a protagonista – se entendermos que ao narrar uma visão dos factos se lhes imprime o protagonismo.
Watanabe fala aqui recorrentemente no esquecimento, no tão debatido agora pela via da protecção de dados Direito ao Esquecimento: uma faca de dois gumes: público e privado, social e individual porque além de enunciar o direito à privacidade – e a que aquilo que fomos no passado mas que hoje já não serve para nos definir seja esquecido – o Direito ao Esquecimento discute a prescrição ou imprescritibilidade de determinados crimes, os piores, aqueles que são contra os Direitos Humanos, os primeiros a serem violados mesmo em democracia. E a dimensão pública e social que está aqui em causa.
Esse Direito ao esquecimento constitui-se, no texto de Watanabe como no mundo em que vivemos, como a tal faca de dois gumes, Ismena arrependida e o Tirano encontram-se do lado de um dos gumes: aquele que esquece porque oculta, esconde, escamoteia, não vê, não analisa, não reflecte; enquanto o esquecimento reclamado por Antígona é o esquecimento possível após um luto olhado de frente, é o esquecimento que permite a existência de Museus da Memória para que nunca mais aconteça.
O mergulho no abismo de um monólogo muito maior do que nós fez-se na companhia doce do João, atenta e generosa da Marlene, intransigente e inquieta do Ivo. Ao Henrique e à Luciana agradeço a amizade e a paciência de me aturarem as frustrações que devem ficar no tapete a que limpamos os pés à entrada do Teatro.
Que pode o Teatro fazer neste mundo aterrador senão gritar as injustiças marejadas de lágrimas olhos nos olhos do espectador e esperar que dentro dele não adormeça o amor pela Justiça?
Que Dióniso e Apolo sejam connosco.
Datas
- Dezembro de 2018 – 6, 7, 8 | 13, 14, 15
- Janeiro de 2019 – 10, 11, 12 | 17, 18, 19 | 24, 25, 26
Lotação limitada.
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