… como dois planetas gémeos que uma vez separados tivessem começado a girar em sistemas solares diferentes (o Brasil em torno dos EUA, Portugal em volta da UE), esse sentimento tende, se nada for feito, a acentuar-se cada vez mais.
Eduardo Lourenço foi quem, entre nós, mais cedo e mais argutamente disso se deu e nos deu conta, ao escrever, em Imagem e Miragem da Lusofonia: “Para o discurso cultural brasileiro, Portugal existe pouco ou nada, mas, se existe, é apreendido como o pai colonizador que o Brasil teve de matar para poder existir”. Já sabíamos, portanto. E disso temos testemunhos vários e continuados. Mas confesso que nunca tinha visto algo tão extremo como aquilo que acabo de ler e que dá bem uma ideia de como Portugal e os Portugueses chegam a ser vistos no Brasil.
Em “O cânone republicano – I” (Editora da UnB 2003) escreve Flávio R. Kothe, professor da Universidade de Brasília: “A língua portuguesa é uma língua estrangeira no Brasil: é a língua de uma invasão e de uma conquista; não importada, mas imposta. Isso faz diferença. Não é uma língua natural, com direito intrínseco de ser falada no país. Na língua da conquista, não são “naturais” sequer os dialetos e os jargões regionais fora da norma culta: também eles derivam da conquista, ainda que sofram o colonialismo interno.
A língua da dominação quer ser considerada língua natural, para que o grupo que a impõe seja visto como possuidor do direito natural de dominar. Há sangue em toda a palavra portuguesa usada no Brasil; usá-la é endossar o gesto de derramar sangue para impô-la. Que esse sangue não seja apenas literal apenas amplia o crime.” (sic)
É certo que este é um autor minoritário e quase maldito, na medida em que contesta o cânone oficial, que ele acha ser excessivamente lusófilo! Mas não deixa de ser significativo que haja ainda hoje no Brasil, em certos meios, sentimentos anti-portugueses tão fortes.
É por isso difícil ver na realização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro uma expressão vitoriosa da portugalidade. Para muitos – se não mesmo a maioria dos brasileiros – se há êxito, isso deve-se não à portugalidade, mas apesar dela e até contra ela.
Voltarei ao tema.