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João de Sousa

Sábado, Agosto 24, 2024

Roteiro para uma ponte

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Quatro dias para aproveitar o centro do país.

Como Chegar

A A1 e a A23 são as vias mais directas para chegar a Torres Novas e ao Entroncamento. Quem quiser evitar os pórticos da A22, pode sair da A1 para Torres Novas e seguir da Zibreira até à cidade, que a distância não é grande.

Em Torres Novas

No início de Novembro do ano de 1338, realizaram-se em Torres Novas as cortes onde se decidiu a sucessão de D. Duarte, que adoecera de repente e morrera no Convento de Cristo em Tomar. A vila encheu-se de gente vinda de todos os pontos do país, para decidir quem faria a regência em nome de Afonso V, de cinco anos. Se a rainha-mãe, a recém-viúva D. Leonor de Aragão, se o irmão do rei, o Infante D. Pedro, duque de Coimbra.

igreja-santiagoAs fontes da época falam de representantes vindos dos quatro cantos do país, de Alenquer, de Avis, de Castelo Branco. De Óbidos, de Ponte de Lima, de Lamego, de Loulé. E de muito mais lugares. Até de Olivença, que ainda pertencia ao Reino. Todos para se reunirem no espaço da Igreja de Santiago. O templo dessa altura foi substituído por outro no século XVII, que em grande parte ruiu com o terramoto de 1755. O adro é apertado e a fachada simples. O que aqui se pode hoje ver, data do século XV.

Mas Torres Novas tem um marcado passado medieval e um centro histórico a visitar. Do pequeno largo da igreja de Santiago, desça até à praça velha, em cujas traseiras ficava o tribunal. Suba as escadarias do outro lado do tribunal e está de frente para o castelo. Na rampa que leva à fortaleza, pare para apreciar o painel de azulejos da autoria de Jorge Colaço, o mesmo dos azulejos da estação ferroviária de São Bento, no Porto. Aqui, em Torres Novas, representam o episódio lendário do sacrifício do filho do alcaide Gil Pais pelos castelhanos. Em 1372, no tempo das guerras, Pais terá recusado trocar as armas da cidade pelo filho que os espanhóis tinham capturado.

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O castelo tem um agradável e cuidado jardim interior e de várias das torres ainda em pé pode ver-se boa parte da cidade, rio Almonda incluído. Regresse à parte baixa da cidade, depois de visitar o edifício construído no reinado de D. Fernando, no lugar da fortaleza que Sancho I tomou aos mouros no século XII. Este rei conquistador está homenageado, quase à porta, com estátua da autoria de João Cutileiro.

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Siga para a pedonal Rua de Alexandre Herculano, antiga Rua da Levada. É o principal centro do comércio tradicional da terra. Nesta rua nasceu a mítica Actriz Virgínia, estrela do século XIX, que se diz ter sido amante do Visconde do Freixo, o mesmo das fábricas de sabão do Porto. A artéria corre paralela ao rio Almonda. O viajante deve ir tomando as várias ruelas que dela saem em direcção ao rio. Um cenário a merecer atenção a partir de várias pequenas pontes pedonais que o atravessam. Neste troço o rio é sombrio e as traseiras do casario mergulham nas águas. A antiga Rua da Levada termina na Ponte da Pedrinha e no Açude Real. Este terá sido construído a mando da rainha Filipa de Lencastre no século XV. Destaque também para as instalações da empresa industrial de electricidade do Almonda, uma curiosa obra pública inaugurada em 1923.

Continue a acompanhar o rio. À sua direita verá o cine-teatro Virgínia. Um pouco depois as actuais instalações de escola da PSP, antigo e histórico quartel de artilharia e de cavalaria, e o antigo convento de São Gregório Magno, fundado em 1558, convertido no já encerrado hospital da Misericórdia com a sua igreja de Nossa Senhora do Carmo.

Acompanhe o rio debaixo do arvoredo e siga até ao final da Avenida João Martins Azevedo de onde rumará aos arredores.

Grutas, Romanos, enguias e um General Sem Medo

Na localidade das Lapas pode visitar as grutas, uma rede de labirintos que noutros tempos serviram de habitação e de sítio para guarda de gado. Siga até à ponte sobre o Almonda. Nesse largo fica a fábrica dos Irmãos Vieira, instalação industrial fundada em 1927 e dedicada à produção de álcool etílico a partir de figo, uma das grandes riquezas da região.

boquilobo-humberto-delgadoRegresse à cidade e passe pela Villa romana de Cardílium. Foi residência de importantes famílias romanas entre o século I e IV d.C. e daí pode partir à descoberta do Boquilobo. Humberto Delgado nasceu nessa pequena localidade e a casa onde nasceu é hoje museu e visitável.

No largo em frente vários restaurantes, dedicam-se à confecção de enguias-fritas, ensopado, grelhadas. Opção frequente, os peixes de rio fritos, refeição de muitos que trabalhavam nos campos agrícolas em redor do Paul do Boquilobo. O lugar é considerado reserva da bioesfera e já aqui foram observadas 221 espécies de aves, 16 espécies de peixes e 27 de mamíferos. Além das bem identificáveis garças-reais ou águias-de-asa-redonda, é possível o viajante se cruzar-se com texugos, lontras e raposas.

Nobel e avieiros

Saia em direcção à Azinhaga e à Golegã. Tome a direcção da Azinhaga. Nos concursos do Secretariado Nacional de Informação, de António Ferro, no tempo do Estado Novo, a localidade foi considerada a aldeia mais portuguesa do Ribatejo. Em 1922, foi aqui que nasceu José Saramago. O escritor, vencedor Prémio Nobel da Literatura de 1998, descreveu a sua infância, parte da qual passada aqui na aldeia, no livro As Pequenas Memórias.

Siga até à ponte dos Cágados sobre o rio Almonda e aprecie as casas em tabuado estreito. São velhas habitações avieiras, construídas pelos habitantes de Vieira do Minho que no Inverno deixavam o mar e vinham pescar em vários pontos do rio Tejo. Alves redol falou destas gentes em romances, mas não foram um exclusivo de Vila Franca de Xira ou de Salvaterra de Magos.

casa-estudio-carlos-relvasAtravesse a ponte e pelas estradas agrícolas avance agora até à Golegã. Na cidade, passe ao Central, possivelmente o mais mítico café da região. O bife da casa é famoso e respira-se um certo ar de Ribatejo. A apreciar também fora da Feira de São Martinho. Em frente, a igreja Manuelina, do arquitecto Boitaca, que esteve nos Jerónimos. Não muito longe a Casa-Estúdio Carlos Relvas, com o seu gigantesco telhado em vidro, mandada construir pelo interessante e inovador fotógrafo do século XIX. Estudos recentes apontam-no como bem mais que o etnógrafo e retratista curioso que chegou a ser considerado. O restaurante Barrigas, no picadeiro, é outra opção gastronómica.

Uma terra recente de ferroviários e militares

Da Golegã siga para o Entroncamento. O destino é pouco procurado, mas também terá que ver.
A terra foi fundada na década de 1860 para entroncar a linha férrea do norte com a do leste. E os bairros ferroviários merecem a visita. Primeiro, há o bairro Camões, com traçado de Cottinelli Telmo, o arquitecto do Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, e do filme A Canção de Lisboa, com Vasco Santana, Beatriz Costa e António Silva. É um espaço urbano a exigir recuperação, e no qual se entra depois de passar um portal em forma de gigantesco perfil de carril ferroviário. A Rua Engenheiro Ferreira de Mesquita também merece atenção.

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A terra cresceu com os ferroviários e os militares que aqui foram instalados. Uma das primeiras unidades da terra foi o batalhão dos sapadores caminhos-de-ferro, que combateram na Primeira Guerra Mundial, quando ainda tinham quartel em Cascais. Já depois da entrada de Portugal na NATO aqui se instalou a chamada companhia divisionária de manutenção de material – eram os responsáveis por arranjar e manter viaturas, armamento e equipamento da divisão Nuno Álvares, em Santa Margarida, a grande unidade que Portugal deslocaria para o norte de Itália em caso de confronto com a União Soviética. Outros tempos, de que a traça destes quartéis ainda guardam memória.

Militares e ferroviários estão bem presentes nesta recta da Ferreira de Mesquita. Quartéis à esquerda, um bairro ferroviário de vivendas, à direita. No número 8, um cacto gigante, na residência que foi de Eduardo O.P. Brito, jornalista e inventor dos fenómenos do Entroncamento.

A acabar a jornada, uma passagem pelo Museu Nacional Ferroviário, onde pode apreciar maquinaria e carruagens do tempo do vapor e do carvão. E já agora, cruze a ponte para peões, que atravessa a linha férrea e perceba a dimensão da estação e das suas linhas.

Leia a Parte 1  Roteiro para uma ponte  |  Tomar

Leia a Parte 2  Roteiro para uma ponte  |  Abrantes

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