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Terça-feira, Julho 16, 2024

Rui d’Espiney

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1942 – 2016)

Sociólogo e pedagogo. Referência da luta antifascista, dirigente da Comissão Pró-Associação dos Liceus na crise académica de 1962, D’Espiney fundou em 1964, com Francisco Martins Rodrigues e João Pulido Valente, o primeiro movimento maoista português. Preso pela PIDE, barbaramente torturado, julgado e condenado, foi libertado no dia 27 de Abril de 1974.

Rui Manuel Pires de Carvalho d’Espiney nasceu em Moçambique, na Cidade da Beira, a 6 de Agosto de 1942 e faleceu em Setúbal, a 28 de Abril de 2016.

Referência da luta antifascista

Foi militante do Partido Comunista Português até 1962, quando, numa ruptura maoista, o abandonou com Francisco Martins Rodrigues. As suas divergências com o PCP começam em 1958, mas até 1962 D’ Espiney mantém-se no partido, na expectativa de ver alterações nas formas programáticas de acção. Com o agravamento do conflito sino soviético, e sem resposta para as suas opções ideológicas, parte para o exílio na perspectiva de encontrar alternativas.

Em 1963, com o despontar das correntes maoístas na Europa, alguns militantes tinham passado a defender a luta armada contra o regime, ao contrário do que, então, o PCP defendia. A Frente de Acção Popular (FAP) e o Comité Marxista-Leninista Português iriam ser fundados em Paris, no princípio de 1964, por Francisco Martins Rodrigues, Rui d’Espiney e João Pulido Valente. Rui d’Espiney estava na altura exilado em Argel e, segundo uma entrevista que deu à RTP após o 25 de Abril, a sua ideia era «formar uma frente para levar a cabo a luta armada e um comité para fazer fermentar as ideias daqueles que se consideravam comunistas de extrema-esquerda. A FAP seria a organização que iria, de algum modo, responder ao imperativo de resposta armada à repressão ditatorial e do fascismo».

Rui d’Espiney foi preso pela PIDE

Em Junho de 1965, Rui d’Espiney regressa a Portugal, vindo da Argélia, juntando-se a Francisco Martins Rodrigues e João Pulido Valente.

Rui d´Espiney na altura do julgamento

Em Janeiro de 1966, Rui d’Espiney e Francisco Martins Rodrigues foram detidos pela PIDE, e submetidos a um tratamento brutal. Fonte médica informou disso o correspondente da Associated Press em Lisboa, que fez chegar aos jornais “International Herald Tribune” e “Le Monde” uma notícia chocante sobre as torturas que lhes haviam sido infligidas. Sendo distribuída em inglês, francês e outras línguas, e não sujeita à censura, como acontecia com a imprensa portuguesa, a notícia teve um enorme impacto no mundo e no país.

A informação sobre a tortura do jovem D´Espiney desencadeou na Universidade manifestações estudantis contra a brutalidade da polícia. . As manifestações exasperaram a PIDE, que convocou o jornalista, obrigando-o a refugiar-se na Embaixada dos Estados Unidos; só depois, com protecção diplomática, se dirigiu à Rua António Maria Cardoso e ali foi interrogado. O facto de ter havido repórteres estrangeiros que se interessaram pelo caso terá frustrado o plano inicial da PIDE que apontava para a liquidação sumária dos réus.

…e barbaramente torturado

D’Espiney foi julgado e condenado por ter participado num assassinato – de um alegado informador da PIDE infiltrado na oposição – e também acusado de ter colocado bombas dirigidas a governantes. Veio a ser condenado a 19 anos de cadeia. Nunca se considerou um assassino, mas sim “um guerrilheiro na clandestinidade”. Em entrevista concedida ao jornalista da Associated-Press (acima referido), em sua casa, pouco tempo antes da sua morte, Rui d’Espiney falou longamente sobre a tortura de que foi sendo vítima durante os nove anos de prisão, especialmente antes do julgamento. Fora atirado insistentemente contra a parede e, por vezes, obrigado a ficar imóvel numa posição de estátua. A dada altura, os agentes haviam feito entrar a sua mulher e companheira de luta, que fora igualmente detida, e ela não tinha sido capaz de o reconhecer, tantas eram as nódoas negras e o sangue que tinha na cara[1].

Rui d’Espiney nunca falou do crime de Belas, nem em público, nem em privado. Na entrevista à RTP, Rui d’Espiney justificou esse silêncio com o facto de ter amigos que não conheciam essa parte da sua vida e que não desejava falar sobre isso. Apenas disse: «Os autores do crime de Belas (um dos quais eu próprio) foram presos pela PIDE, meses depois, e condenados a longas penas de prisão. Só não as cumprimos na totalidade porque, oito anos mais tarde, o 25 de Abril nos abriu as portas do forte de Peniche»[2].

Libertado a 27 de Abril de 1974

Um dia antes de Rui d’Espiney ser libertado, em 27 de Abril de 1974, a filha morrera de cancro, exilada em Londres. Não a via desde que fora preso.

A sua libertação foi muito noticiada, havendo imagens da saída do Forte de Peniche. D’Espiney sempre confirmou a sua militância política [«O mais que disse à PIDE foi que era guerrilheiro»], mas nunca assumiu que puxara o gatilho.


Rui d’Espiney, um homem admirado pelo seu carácter

Depois de ser libertado, Rui d’Espiney veio a trabalhar com cooperativas agrícolas, grupos de activismo social junto de minorias e ligados ao ensino. Muitos dos seus colegas de trabalho não conheciam o seu passado.

Foi dirigente do CARP m-l, posteriormente da ORPC m-l e, em 1975, do Partido Comunista Português (Reconstruído) – PCP (R). Participou na formação da UDP (em 1974-75) e chegou a ser seu dirigente.

Porém, depois dos anos da Revolução, a sua vida centrou-se em outra actividade, que exerceu com entusiasmo e empenhamento, até ao seu falecimento, e que muito o prestigiou na região de Setúbal.

Faleceu a 28 de Abril de 2016, vítima de cancro. Vivia em Setúbal, num apartamento parcamente mobilado numa zona operária de classe média-baixa.

Sociólogo, pedagogo e impulsionador

Era sociólogo, pedagogo, impulsionador e coordenador de projectos, nacionais e internacionais, de desenvolvimento educativo e comunitário, com destaque para a formação contínua de professores, tendo sido um dos responsáveis pelo início da formação básica de professores na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal. Na vertente formativa para professores, Rui d’Espiney foi co-fundador do projecto ECO e co-fundador do projecto internacional ADELE – Associação para o Desenvolvimento Educativo Local na Europa, além de fundador do Instituto das Comunidades Educativas, a 15 de Julho de 1992, do qual foi dirigente até falecer.

Conversa (à volta do pedagogo Rui d´Espiney), em 2007

Os entraves actuais ao exercício da cidadania nas escolas, mas também a possibilidade de resistir foram os temas da iniciativa “Conversas à volta da Mesa”, que teve lugar, no Auditório Municipal Augusto Cabrita. Este debate, que contou com a presença de docentes de vários graus de ensino, teve como principal orador Rui D’Espiney, Director Executivo do Instituto das Comunidades Educativas (ICE).
Rui D’Espiney salientou algumas medidas da política educativa actual que “têm vergastado as escolas” e tornado difícil o exercício da cidadania por parte de professores e alunos.

Setúbal: “promoção da democracia participativa”

A Câmara Municipal de Setúbal apresentou, em reunião pública ordinária, um voto de pesar no qual lamenta o falecimento do sociólogo Rui d’Espiney, fundador e dirigente do Instituto das Comunidades Educativas. A autarquia recordou-o como uma “figura de referência na luta antifascista” e um homem em que a “Revolução de Abril não impôs um final na sua luta pela construção de uma sociedade mais justa e democrática”, envolvendo-se activamente “em inúmeros projectos de promoção da democracia participativa e dando espaço e voz aos direitos das minorias”. O voto de pesar reforça que Rui d’Espiney, “firme nas convicções e solidário nas acções, deixou uma marca indelével em todos e todas com quem trabalhou no concelho”, acrescentando que “procurou sempre os corredores de liberdade, muitas vezes nas estreitas margens do funcionamento das instituições”.

O repórter da agência norte-americana Associated Press, que o entrevistou pouco tempo antes da sua morte, e 50 anos depois de ter revelado na grande imprensa internacional a tortura a que ele fora submetido, reteve desta entrevista uma frase que o impressionou: «Há sempre corredores de liberdade, até nas prisões de alta segurança».

[1] Rui d’Espiney contou em entrevista que a companheira exclamara «Enganaram-se na pessoa, este não é o meu marido». A polícia julgou tratar-se de um truque, mas ela, de facto, não o reconhecera. Depois das notícias divulgadas pelo jornalista americano, a PIDE começou a preocupar-se com o seu aspecto físico e a cuidar de lhe tratar as feridas e as cicatrizes.
Dennis Redmont in Rui D`Espiney, a despedida do último guerrilheiro maoísta da Europa

[2] Francisco Martins Rodrigues, antes de morrer, contou como os fundadores da FAP liquidaram a tiro um infiltrado da polícia política na organização (responsável pela detenção de João Pulido Valente), que era o informador da PIDE, Mário Mateus.

dos actos de punição de agentes provocadores ao serviço da polícia política de Salazar, a execução de Mário Mateus foi, talvez, o que teve maior publicidade devido a ter sido politicamente assumido em tribunal»

E esclareceu:

Não foi um acto fácil. Não éramos pistoleiros. Não agíamos por vingança. Estávamos numa luta implacável contra a ditadura e era preciso acabar com a impunidade dos espiões da PIDE, que tantos estragos faziam na resistência. Semanas depois, o boletim da FAP de Dezembro noticiava o julgamento e execução do provocador Mário Mateus. A PIDE não precisou disso para ter a certeza donde partira o golpe. Publicou as nossas fotos nos jornais. Em 30 de Janeiro, fui preso pela PIDE numa rua de Lisboa, dias depois também d’Espiney».
– Ana Sá Lopes, 29 de Abril 2016, jornal i

Dados biográficos


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