(1921 – 1991)
Professor, pedagogo, investigador de renome das Ciências da Educação em Portugal, e conhecido oposicionista durante a Ditadura do Estado Novo.
Foi Secretário de Estado da Orientação Pedagógica dos II, III e IV Governos Provisórios (Julho de 1974 a Julho de 1975) e um dos obreiros das transformações do sistema educativo depois da Revolução de Abril. O seu pensamento e acção permaneceram sempre ao serviço de uma certa ideia de Escola e de Pedagogia, num compromisso de intervenção cívica. Era um cidadão discreto, firme e coerente com as ideias que defendia.
Professor, pedagogo e investigador de renome
Rui dos Santos Grácio nasceu em Lourenço Marques (Moçambique) a 1 de Agosto de 1921 e faleceu em Lisboa, a 31 de Março de 1991. Foi casado com Maria Ângela Miguel (1924 – 2016)[1].
Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e frequentou cursos de ciências pedagógicas nas Universidades de Lisboa e de Coimbra. Terminados os estudos, foi contratado como professor do Lycée Français Charles Lepierre, de Lisboa, aí exercendo funções entre 1947 e 1972. Fez diversos estágios em França, onde trabalhou com reputados especialistas das Ciências da Educação.
De 1940 a 1942 foi um dos jovens antifascistas que participaram nos “Passeios no Tejo”, históricos espaços militantes da Oposição juvenil (culturais, políticos, de debate e convívio)[2].
Militou no MUD[3]. Foi preso em Junho de 1947, no decurso de uma crise académica em Lisboa, quando a PIDE prendeu os membros da Comissão Académica e os elementos da Comissão Central do MUD Juvenil, de que Rui Grácio fazia parte. Em Agosto, Rui Grácio, Júlio Pomar, Francisco Salgado Zenha e Mário Soares são os últimos dos membros dos órgãos directivos do MUD Juvenil a ser libertados[4].
Em 1961 Rui Grácio colaborou na redacção do «Programa para a Democratização da República», de que foi um dos signatários. Paralelamente realizou estudos, a solicitação do Sindicato Nacional dos Professores do Ensino Particular ].
Foi um dos fundadores do Partido Socialista, chegando a pertencer à sua direcção.
O pedagogo e a obra
Toda a sua obra é atravessada por um esforço de intervenção e de análise das questões educativas e pedagógicas. Cedo se notabilizou pelos estudos e investigações no domínio educacional, em particular nos campos da História da Educação e do Ensino em Portugal e, ainda, no domínio da psicopedagogia escolar ao nível dos ensinos preparatório e secundário; sobre a modernização da metodologia do ensino da matemática elementar e da relação pedagógica; da aprendizagem e do insucesso escolar e suas determinações sociais e institucionais; da metodologia do ensino da filosofia nos anos terminais do liceu.
A partir de 1963 iria desenvolver investigação científica na Fundação Calouste Gulbenkian, instituição onde foi bolseiro. Ingressou e dirigiu o Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Gulbenkian e aí planeou, realizou, orientou e coordenou estudos nos campos da História da Educação e do Ensino e em diversas outras áreas das Ciências da Educação. Sob a sua orientação, o Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian tornou-se um importante pólo de investigação pedagógica, organizando conferências, colóquios e seminários que trouxeram a Portugal conhecidos investigadores e especialistas em educação. Nessas mesmas funções, manteve um activo serviço de extensão cultural, promovendo acções de formação destinadas a docentes, algo, ao tempo, considerado inovador.
Rui Grácio tem a sua obra completa organizada em 3 volumes, editada pela Fundação Calouste Gulbenkian (1995-1996, textos de 1941 a 1991). Muitas das suas publicações encontram-se em: Análise Social, Boletim bibliográfico, Boletim da APH, Boletim do IAC, Boletim do Sindicato Nacional dos Professores, Escola Popular, Escola Portuguesa, Intervenção, O Jornal da Educação, O Professor, Revista de Educação, Seara Nova e Vértice. Colaborou na revista Mundo Literário (1946-1948).
É autor de estudos publicados em revistas e de obras das quais se destacam:
- A Reforma das Faculdades de Letras e a formação do magistério. Seara Nova (1959).
- Educação e Educadores. Livros Horizonte (1969)
- Os Professores e a Reforma do Ensino (1973 e 1981), Livros Horizonte.
Teve uma participação importante na discussão do programa de «Reforma Veiga Simão» em início da década de 70. Marca uma geração que, nas décadas de 60 e 70 despertava para o debate pedagógico, em torno das reformas educativas e da formação de professores e vai fazer a ponte entre a pedagogia da Educação Nova e o renascimento das ciências da educação no pós-25 de Abril.
Obreiro da transformação do sistema educativo
Após a Revolução de Abril de 1974 exerceu funções governativas, como Secretário de Estado da Orientação Pedagógica no II e no III e IV Governos Provisórios. Nesse período de governação operacionalizou políticas inovadoras, entre as quais a reforma da orientação dos estágios pedagógicos, a gestão colegial das escolas e a criação de área curricular de educação cívica. Rui Grácio destaca-se, porém, pela unificação dos Cursos Gerais do Ensino Secundário, que desencadeou no IV Governo Provisório.
A 5 de Dezembro de 1991 foi-lhe atribuído o título de Grande-Oficial da Ordem da Instrução Pública e a 8 de Novembro de 2001 foi feito Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.
Em 15 de Novembro de 2001 foi homenageado pelo Instituto de Inovação Educacional, com a presença do Presidente da República Jorge Sampaio, que se associou com uma intervenção.
[1] Cidadã da resistência antifascista, com um importante e coerente percurso de luta contra a ditadura, pela dignificação da condição feminina, pelos direitos dos docentes e por políticas democráticas de ensino.
[2] Os passeios no barco “Liberdade”, organizados por Alves Redol e António Dias Lourenço, constituíam espaços de luta antifascista, em que decorriam debates políticos, em ambiente de são convívio, de rapazes e raparigas. Há fotografias em que se identificam, entre outros, Bento Caraça, Hugo Ribeiro, Aniceto Monteiro, Antonino de Sousa, Silva Paulo, Lopes-Graça, Ramos da Costa, Piteira Santos, Manuel Mendes, Santa Rita, Sidónio Muralha, Rui Grácio, Alexandre Cabral, Campos Lima, Fiadeiro, Mário Faria, Arquimedes Santos, Alfredo Pereira Gomes, Jaime Pereira Gomes, e ainda Lídia Monteiro, Pilar Ribeiro, Cândida Caraça, Estela Piteira Santos.
[3] O MUD (Movimento de Unidade Democrática) nasceu em 1945, em Lisboa, no Centro Republicano Almirante Reis. Formou-se numa fase de crescente isolamento internacional do Estado Novo, na sequência da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Existia já o MUNAF (Movimento de Unidade Nacional Antifascista), organização surgida clandestinamente em 1943, e o Partido Comunista Português (PCP), na verdade a única força política organizada. A Oposição encontrava-se fragmentada e tendencialmente radicalizada nos modos de actuação, entendidos por muitos como inviáveis para uma luta eficaz contra o regime fascista de Salazar e, para se reforçar, houve necessidade de se unir e encontrar um programa político que pudesse desencadear um apoio nacional crescente. Alguns oposicionistas entenderam solicitar ao governo autorização para realizar uma reunião política com vista à possibilidade de participar num acto eleitoral. Tal reunião foi autorizada e veio a ocorrer em 8 de Outubro de 1945, estando na origem do MUD. Volvidos três anos o MUD foi proibido, mas enquanto existiu perturbou seriamente o regime de Salazar e empolgou multidões. Em Janeiro de 1946 ocorreu a sua ilegalização efectiva, sob o pretexto governamental de que os seus dirigentes tinham fortes ligações com o clandestino PCP. Toda a comissão distrital e os dirigentes da secção de Lisboa do MUD são encarcerados e somente o MUD Juvenil escapa, e irá travar, até 1958, uma persistente e audaciosa luta com vista a forçar um espaço de intervenção legal e mesmo semi-legal, que, apesar de ferozmente reprimida, se inscreve em alguns dos grandes feitos da resistência à ditadura.
[4] Em 1947, já todos os 13 membros do CC do MUD Juvenil teriam, pelo menos, um processo: Maria Fernanda da Silva, estudante de direito; Francisco Salgado Zenha; João Sá da Costa; José Borrego; Júlio Pomar, pintor; Mário Sacramento; Mário Soares, estudante de Letras; Nuno Fidelino Figueiredo; Octávio Rodrigues Pato, empregado; Oscar dos Reis, operário; Manuel Moutinho, operário; António Abreu, professor do ensino técnico; Rui Grácio, professor do ensino particular.
[5] Em 1939 foi criado, por iniciativa governamental, o Sindicato Nacional dos Professores do Ensino Particular, que tinha uma fraca expressão quantitativa e uma enorme dependência face ao Estado – onde coexistiam, lado a lado, num sindicalismo de Estado obrigatório, os professores e os proprietários de colégios, sob estreita tutela e vigilância do Ministério das Corporações. Apesar disso, o Sindicato Nacional dos Professores destacou-se por acolher como seus membros, e até activistas, professores não identificados com o regime, muitas vezes afastados do Ensino Público por razões políticas, entre eles figuras destacadas na Pedagogia, de que Rui Grácio foi exemplo. (A intervenção no sindicato corporativo de professores não alinhados com a ditadura salazarista possibilitou a conquista de alguns espaços de liberdade, estando mesmo na origem de iniciativas no campo dos movimentos de renovação pedagógica surgidos nos anos sessenta). .
Dados biográficos
- Dicionário de Educadores Portugueses, Direcção de António Nóvoa. Edições ASA. 2003.
- Wikiédia: Rui Grácio
- «Eu pedagogo me confesso. Diálogos com Rui Grácio». António Nóvoa, 2001,
- PDF: «Eu pedagogo me confesso» Diálogos com Rui Grácio, António Nóvoa (Universidade de Lisboa)
- «Mais vale cedo do que nunca – Por uma escola diferente no Portugal de 70», Graça Fernandes/Tavares Emídio, 2019. Edições Piaget.
- Blog António Aniceto Monteiro: Passeios no Tejo: identificação das fotografias
- Manuela Câncio Reis: A Passagem. Uma biografia de Soeiro Pereira Gomes. Caminho, 2007.