Diário
Director

Independente
João de Sousa

Domingo, Novembro 24, 2024

Saber ouvir

Já tinha passado no teste psicotécnico, estava tudo encaminhado, até que enfim iria ter o emprego sonhado, boa remuneração em uma empresa de renome, daí para a frente seria só sucessos…Quando ligaram para mim eram quase 15 horas. Atendi o telefonema com uma voz que contrastava entre o finório e o arrojado.

– Alô boa tarde.

– Sim… Boa tarde daqui fala fulana de tal da empresa de recrutamento tal… É a senhora Catarina…

– Sim…

– Estamos a ligar para informar que a senhora foi seleccionada para a entrevista de emprego na nossa empresa… A senhora terá de vir às nossas instalações… Blá… blá…blá…

Depois de todas as operações de manutenção e maquilhagem, dirigi-me ao escritório indicado.

Salto alto, unhas pintadas, maquilhagem leve e um punhado de documentos, cheguei confiante; se já tinha passado no psicotécnico o que poderia correr mal?

Numa sala minúscula, sentada no canto do ângulo superior direito, lá estava ela, uma mulher jovem, de raça branca, e os seus olhos me adotavam com intimidade, sorria com profissionalismo, proporcionando-me um à vontade inexplicável…

Depois de feitas as apresentações, ainda sorrindo olhou para mim e perguntou:

– Catarina… diga-me por favor… para si qual é o segredo de um bom diálogo?

E sem respirar respondi: Saber falar…

– Como assim? retorquiu, ela, meio admirada e meio despertadora.

– Sim, afirmei arrogante. E sublinhei confiante: eu gosto de me fazer entender e se não me entende eu desenho gráficos ou bolinhas como diz a minha filha…

– Ok… ligaremos para a senhora quando tivermos o resultado desta entrevista…

Pelo caminho fui avaliando a conversa  e descobri que perdi a minha maior oportunidade da vida por não saber ouvir…

Quando se sabe ouvir, entendemos e aprendemos e às vezes muitas situações são evitadas por entendermos melhor as coisas.

Ouvir às vezes não chega é preciso discernir e só o faz bem quem ouve com atenção. Ouvir é um acto de amor que nos permite sentir as emoções de outrem, permitindo assim o nascimento da empatia.

Os surdos ouvem os nossos olhos no silêncio da inquietação, e mais do que saber falar, eles nos tocam com a sua sensibilidade.

Ouvi a voz do vento, quando calei as minhas lamentações e, em silêncio, cantei as minhas orações… ele gritava não sei o quê mas eu estava certa de mais para ouvir a justificação de um ingrato. Falei tanto que acabei por não entender. Porque ligaste?

E tu já acabaste de falar?

A autora escreve em PT Angola

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