Quem é esta Cinderela que temos e que escondemos sistematicamente porque temos medo? Porque virá sempre alguém no trabalho ou na rua tentar tirar-lhe o brilho, com inveja? Assim como assim, é melhor guardá-la no bolso e pretender que não existe, pois ela é cor, sonho, quer viver num conto de fadas que afinal pode existir, é apaixonada e consegue mesmo, sem reticências, ser feliz! Simplesmente feliz.
Onde se mergulham, no meio disto, as resoluções de um Novo Ano? Elas são feitas, às vezes escritas, mas enumera-se apenas o que se quer ter (ou fazer). Raramente atiramos pensamento para o que queremos ser, onde queremos crescer cá dentro, no fundo de nós. O que esperamos encontrar para conseguirmos virar-nos ao contrário, soltar amarras e perder o medo?
É verdade que muitas vezes as pernas nos puxam o corpo para a frente e sentimos claramente a mente e o espírito ficar para trás. “Vamos andando”, sem ai nem ui. Sem pensamento, sem alma, desapegados de nós, assim como se fosse essa a rotina que se nos exige. E de facto é.
Com essa rotina, o tempo passa e ninguém dá por nós, nem nós próprios, mas seguimos empurrados nos dias, esquecidos desse espírito do David Crockett de Wallis e que o Miguel Sousa Tavares recordou num livro há uns anos. Embrulhamos os sonhos e o Acordar que devia acontecer todos os dias um bocadinho, culpando a vida e sem nos darmos ao trabalho de pensar sobre quem é afinal essa vida madrasta.
Desta vez pode ser diferente, não porque vai chegar um ano novinho em folha, todo por estrear, mas porque sim. Porque vai chegar 2016 e as resoluções podem ser diferentes. É só agarrar no papel e na caneta, ou no digital do costume, fechar os olhos sem sentir medo, tonturas ou “a cabeça a mil”, e desenhar em vez de escrever um só estado de espírito que queremos passar a ter ao nosso lado todos os dias. Ou dois. Ou três…
Sim: proponho uma revolução de sentimentos em vez de resoluções de ginásio. Aproveitar este calendário para procurar entender o que nos fará levantar da cama todos os dias, com uma vontade bem diferente do “vou andando” do costume. Desse, que depende da tal vida cujo nome de facto não conhecemos e que nos faz andar todo o ano escondidos. Escondidos e esquecidos de nós próprios, como gatas borralheiras.
Este ano, as resoluções passarão para um outro nível. Mais simples, mais bonito, mais feliz. Mais acordado. Sem medo de nos transformarmos em Cinderelas.