Vários acontecimentos desde a eleição de António Guterres como Secretário Geral das Nações Unidas levaram alguns simpatizantes da causa saharaui a pensar que a resolução do conflito estaria bem encaminhada. Esta “tendência de reflexão” também foi apoiada nas redes sociais, blogues e meios de comunicação social.
Na verdade, sempre me surpreendeu todo o entusiasmo em torno do novo Secretário Geral que durante uma década foi o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e subscreveu corte, após corte na ajuda humanitária aos campos de refugiados saharauis.
As expectativas criadas em torno do ex-primeiro ministro de Portugal, deviam-se ao facto de ser simpático e educado, uma qualidade que felizmente quase todos os políticos em Portugal, da esquerda à direita, compartilham. Mas a educação e simpatia nada tem a ver com os posicionamentos políticos.
A falta de conhecimento e analise do percurso politico do novo secretário geral, das suas “alianças” e ”simpatias” na arena internacional levaram a um entusiasmo pouco realista.
Segue-se a eleição de Horst Koehler para enviado pessoal do SG para o Sahara Ocidental. Uma nova onda de entusiasmo pouco compreensível varre as redes sociais, blogues e meios de comunicação social. Koehler é um homem das finanças, não da economia, mas das finanças, do grande capital. A sua demissão ao cargo de Presidente da Alemanha foi fruto de declarações escandalosas sobre a “mais valia” e “interesse positivo” que a guerra do Afeganistão e outras têm para a economia alemã. Mais não fez do que dizer a verdade, quase todos os países ocidentais ganham com as guerras que fomentam, apoiam, e financiam, publicamente ou por trás do cenário, guerras que destroem países e povos.
Koehler desenvolveu o “Plano Marshall para África” , uma linha de pensamento agora também adoptada pelos EUA que pensam que acordos económicos podem sobrepor-se à soberania dos povos e que os mesmos se vendem por “benefícios económicos” aos ocupantes, torturadores, violadores e assassinos.
Koehler iniciou novos encontros entre a Frente Polisario e Marrocos com a participação de Mauritânia e Argélia como observadores. Negociações estas que foram uma espécie de penso rápido para acalmar o descontentamento e desilusão da população saharaui com a comunidade internacional.
Recorde-se que durante e após o desmantelamento de Gdeim Izik, em 2010, também houve “conversações” quando o que deveria ter sido feito de imediato era uma acção militar das Nações Unidas para proteger a população saharaui atacada por Marrocos, numa clara violação do cessar-fogo.
Koehler visitou os territórios ocupados e o seu comunicado foi claro no que se poderia esperar, ou seja nada. Um comunicado em que o enviado pessoal se mostra preocupado para que se encontre uma solução de forma a “permitir o investimento estrangeiro” e desenvolvimento económico.
Nem uma palavra sobre as atrocidades vividas pela população saharaui sob ocupação marroquina, nem uma palavra sobre a manifestação pela independência do Sahara Ocidental durante a sua visita e que foi brutalmente reprimida pelas autoridades de ocupação.
Enquanto isso os documentos produzidos no seio da ONU mudam pouco a pouca a terminologia quando se fala do Sahara Ocidental. Uma tendência iniciada durante o tempo de Ban Ki Moon, que foi secretário geral antes de Guterres e que continua a ser seguida.
Uma palavrinha aqui, um adjectivo ali, um nome, um verbo, pouco a pouco e quase silenciosamente se introduzem nos relatórios e resoluções.
Todo indica o plano de autonomia proposto por Marrocos como sendo a tal solução “viável, prática e pragmática” a real politik no seu melhor sem contemplar a vontade do povo saharaui, sem respeitar as resoluções das Nações Unidas, da União Africana, do Tribunal Internacional, do Tribunal de Justiça da União Europeia nem o próprio acordo de cessar fogo assinado pelas partes (Marrocos e Frente Polisario).
A grande preocupação na busca de uma solução não é o direito inalienável do povo saharaui à soberania, e o fim de uma ocupação brutal marroquina e a descolonização definitiva do território por Espanha, mas sim os interesses económicos e geostratégicos do “grupo de amigos do Sahara”. Uma denominação hilariante e cheia de hipocrisia que engloba Espanha (colonizador perante a lei até aos dias de hoje), França (apoiante de Marrocos e dependente de Marrocos para as suas aventuras e roubos em África) ; EUA (que também utilizam Marrocos para avançar as posições de Israel para além de operações “negras” no médio oriente e norte de África), Reino Unido membro da NATO juntamente com Espanha, França e EUA e por fim a carta fora do baralho, a Rússia.
A demissão de Koehler não é surpreendente, a razão oficial é o seu estado de saúde, mas mesmo a imprensa Alemã duvida de tal facto que já tinha sido a desculpa oficial quando se demitiu da presidência do seu país.
Esta demissão tem um timing interessante, no meio de uma mudança politica da Argélia, que é um apoiante inabalável do povo saharaui e a proposta do “acordo do século” de Trump para Israel/Palestina.
Os EUA apoiam tradicionalmente o plano de autonomia de Marrocos, apesar de haver algumas vozes discordantes dentro das várias administrações das últimas décadas. A situação volátil interna de Marrocos faz com que os EUA tenham um “monarca na gaveta” caso o Rei Mohamed VI seja deposto. O príncipe Hicham Alaoui, primo do Rei actual, cuja família foi chacinada e vive grande parte do seu tempo nos EUA. Sempre que há indícios de crise no Reino de Marrocos, o príncipe Hicham tem direito a uma entrevista em horário nobre nas TV’s dos EUA. Uma prática recorrente dos EUA que parecem não aprender com a história.
Trump precisa de Marrocos para convencer os países do médio oriente e África a apoiar ou no mínimo não se oporem ao “acordo do século”. Este acordo que prevê concessões económicas aos Palestinianos e vantagens económicos para Israel é muito na linha do pensamento de Koehler, ou seja, pensam que os povos podem ser “convencidos” através de soluções económicas e não politicas.
O plano de Trump está cheio de elementos que nunca serão aceites pelo povo palestino, mas ainda mais alucinante é a “proposta” de alteração da fronteira do Egipto de forma a parte do território Egípcio passar a ser Palestino.
Trump e a sua administração parecem ignorar o facto do Egipto ser um país africano e para além do pormenor de que o povo deste país teria que aceitar “dar” parte do seu território, existe outro factor que é o acto constitutivo da União Africana que é claro quanto a não alteração das fronteiras existentes no acto da descolonização.
Segundo analistas e jornalistas que o PUSL/Tornado contactou no Médio Oriente e África este acordo será o inicio de mais uma guerra sem precedentes e Marrocos está mais uma vez a apoiar os EUA em troco do apoio ao seu plano de autonomia.
O Status Quo implementado é de tal forma que num recente artigo do Modern Diplomacy (The labyrinth of the special envoys to settle the question of Western Sahara), o autor Ali El Aallaoui defendia que a questão do Sahara Ocidental deveria ser transferida do capitulo VI da ONU – resolução pacífica de disputas para o capitulo VII – Acções com respeito a ameaças de paz, violações de paz, e actos de agressão.
Marrocos e a comunidade Internacional
Os recursos naturais e as actividades económicas no território do Sahara Ocidental ocupado por Marrocos são de extrema importância para o reino alauita. Sem estes recursos e a deslocação de parte da população marroquina para este território a situação já de si explosiva de Marrocos, seria catastrófica.
Marrocos joga com a comunidade internacional o jogo de trocas e favores para poder manter o Status Quo da ocupação. Não existe nenhuma razão pela qual a comunidade internacional não pudesse negociar, investir e mesmo explorar as riquezas sendo os saharauis os administradores do território.
Marrocos utiliza a chantagem do fluxo migratório para a Europa, os enclaves de Ceuta e Mellila, o controle de Narcotráfico, as negociatas em África para favorecer os amigos franceses, apoio aos EUA e Israel e outras artimanhas para continuar a ter o apoio silencioso da comunidade internacional.
O momento
A situação actual com a demissão de Koehler e o relatório do SG que é francamente decepcionante (excepto na parte relativa aos direitos humanos devido à acção constante e consistente da advogada de defesa dos presos políticos saharauis e de alguns observadores internacionais), levanta sérios problemas à Frente POLISARIO.
O movimento de libertação e legitimo representante do povo saharaui encontra-se de novo numa encruzilhada devido ao facto de continuar a respeitar as decisões das Nações Unidas. Uma tarefa difícil, uma prova de fogo está diante da POLISARIO que tem uma população inteira totalmente decepcionada com a comunidade internacional e vê agora mais uma vez uma solução pacifica adiada sine die.
PUSL – Jornal Tornado
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