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Segunda-feira, Novembro 4, 2024

600 Euros é demais?

Jorge Fonseca de Almeida
Jorge Fonseca de Almeida
Economista, MBA, Pos-graduado em Estudos Estratégicos e de Segurança, Auditor do curso de Prospectiva, geoeconomia e geoestratégia, Doutorando em Sociologia

 

O salário mínimo é uma peça importante da política económica de todos os países. Permite enfocar a actividade económica nos sectores mais produtivos, eliminar as empresas menos eficientes, traçar metas de produtividade e estabelecer o patamar de bem-estar mínimo que pretende oferecer aos seus trabalhadores.

Um salário mínimo mais baixo permite a sobrevivência de sectores de actividade obsoletos, de baixa produtividade, que atrasam o país, não geram receitas cuja colecta fiscal permita sustentar as funções vitais e sociais do Estado, não garantem um nível de vida aceitável e decente aos trabalhadores e aos técnicos. Sabemos bem o que é essa situação, pois que é nele que vivemos.

Travão ao desenvolvimento

Nos últimos anos a não actualização do salário mínimo colocou o país em crise económica recorrente, reduziu o mercado interno, base para que as empresas possam ganhar dimensão e exportar, cerceando o crescimento; tem contribuído para a limitação de receitas da segurança social, e através de redução de impostos levado à diminuição dos serviços públicos. Tudo isto num momento em que o serviço da dívida é excessivamente elevado.

Quase todos pagamos na saúde, na educação, na segurança, na mobilidade os salários mínimos excessivamente baixos. As empresas também o pagam na exiguidade do mercado e na menor qualificação da mão-de-obra, e nas dificuldades burocráticas de um Estado sem meios. Em resumo salários mínimos baixos são pagos colectivamente por cidadãos e empresas.

Quem ganha?

Mas se muitos perdem com salário mínimo excessivamente baixo, porque se mantém assim? Quem ganha? Ganham em primeira linha os poucos empresários de sectores obsoletos que assim se mantêm em actividade quando estariam condenados a sair do mercado com o seu modelo de negócio ineficiente. Os que só sobrevivem pagando pouco não têm grande lugar no mundo actual. Protegê-los é hipotecar o futuro.

Mas não ganham só estes. É que o ordenado mínimo é a bitola para os restantes ordenados na sociedade. Assim o restante patronato ganha com a manutenção do ordenado mínimo excessivamente baixo como o actual. Se não fosse isso, teriam que pagar mais aos restantes trabalhadores.

Promove a concentração de riqueza

salario minimo 600 ?

O resultado é que a parte da riqueza nacional que fica nas mãos dos patrões é hoje de 65% enquanto aos trabalhadores cabe apenas os 35% restantes. Recorde-se que em meados dos anos 70 a situação era globalmente a inversa.

Esta tendência mostra a concentração da riqueza no topo e a acumulação de pobres na base. A figura do trabalhador pobre reapareceu e alastrou em força nos últimos anos. Uma família de 4 pessoas em que os dois adultos ganhem o ordenado mínimo, 470€ líquidos, vive na pobreza absoluta com apenas 235€ por pessoa. Como podem alimentar as crianças e vesti-las decentemente? Por, isso, existem mais de 700 mil trabalhadores portugueses na pobreza completa, apesar de trabalharem 40 horas por semana ou mais.

Promove a emigração

Outro resultado é a emigração. Porquê? Porque em quase todas as profissões no estrangeiro se ganha mais. A grande excepção são os gestores de algumas empresas que ganham em Portugal muito mais do que os seus contrapartes no estrangeiro. Esses não precisam de emigrar. Todos os outros ficam sempre melhor saindo do país. Só o amor à pátria e o apego à família mantém muitos em Portugal.

Promove o desemprego

Alguns mantêm que aumentar o salário mínimo é aumentar o desemprego. Não é globalmente verdade. De facto muito poucas actividades são tão pouco produtivas que não possam sobreviver. Mas as que não podem sobreviver é melhor que fechem as suas portas. O mundo, hoje, é da eficiência, do uso de tecnologia para aumentar a produtividade; ficar agarrado a modelos económicos ultrapassados compromete o futuro com a contrapartida de manter alguns postos de trabalho que mantém as pessoas na pobreza. Não vale a pena.

Por outro lado o salário mínimo excessivamente baixo promove o desemprego especializado, que passa a não ser tão necessário. Daí que tantos jovens qualificados estejam desempregados. Não são necessários num modelo de trabalho intensivo e barato.

Não é possível pagar mais?

Outros dizem que não produzimos o suficiente. Não têm razão. Portugal produz anualmente uma riqueza por habitante de mais de 19.000€, ou seja mais de 1.500 € por pessoa. Para uma família de quatro pessoas, dois adultos e duas crianças, dá cerca 6.000 € mês. Cai por terra a tese que não produzimos o suficiente para dar mais de 940€ mês ao casal com dois filhos em que os dois adultos ganham o ordenado mínimo.

Subsídio à incompetência e à preguiça dos empresários

Ordenados mínimos excessivamente baixos como o nosso são um subsídio às empresas improdutivas e não competitivas. Um verdadeiro subsídio à incompetência. Um subsídio que em primeira linha é pago pelos trabalhadores que o recebem e vivem na pobreza, mas também como vimos pela grande maioria de todos os outros trabalhadores.

Ordenados mínimos excessivamente baixos como o nosso são, também, um incentivo à preguiça dos empresários, que não precisam de modernizar as suas empresas, não precisam de introduzir novas tecnologias, novas formas de organização, porque os seus lucros estão assegurados pelos baixos salários que pagam. Se confrontados com um ordenado mínimo decente, terão grande incentivo para se modernizar, pois caso não o façam poderão desaparecer.

Mudar de paradigma

É então urgente, para que o país se possa desenvolver, aumentar significativamente o ordenado mínimo nacional. Há várias propostas sobre a mesa. A menor vem obviamente dos patrões, cerca de 540€, a do governo cola-se à dos patrões adicionando-lhes pouco mais de 15€ e depois temos a proposta de 600€, avançada pela CGTP.

Em termos de desígnio nacional vimos que a manutenção do salário mínimo em níveis excessivamente baixos é desastrosa pelo que se impõe, por motivos de estrita eficiência económica mas também por razões de simples justiça social, um aumento significativo. Das propostas apresentadas apenas os 600€ responde a esta necessidade.

O que Portugal precisa é que o governo promova uma negociação entre empregadores e empregados que fixe um plano exigente de aumentos sistemáticos do ordenado mínimo para que em cinco anos possa estar ao nível de Espanha e que este acordo seja acompanhado de medidas de incentivo que permitam apoiar as empresas na sua modernização.

É tempo de as empresas terem um incentivo que as leve a aumentar a sua competitividade em vez de viverem à sombra da protecção do Estado que vai estabelecendo, ano após ano, um ordenado mínimo excessivamente baixo.

Nota do Director

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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