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Domingo, Novembro 3, 2024

Salários: lucros para os patrões e de miséria para os trabalhadores

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

O salário hora dos trabalhadores com contratos a prazo e a tempo parcial em Portugal é muito inferior aos que tem contrato sem termo o que determina um lucro extraordinário para os patrões estimado em 4517 milhões de € por ano

Neste estudo analiso, com base em dados dos quadros de pessoal divulgados pelo Ministério do Trabalho o valor médio hora pago aos trabalhadores com contrato sem termo, com contrato a prazo e com contrato a tempo parcial, concluindo que o valor pago aos dois últimos é muito inferior ao valor hora pago aos trabalhadores com contrato sem termo (por tempo indeterminado). Esta situação que representa uma exploração acrescida dos trabalhadores com contratos precários dá aos patrões um lucro estimado em 4517 milhões € por ano. Estes tipos de contratos são um fonte de lucros para os patrões, mas de miséria para os trabalhadores. Segundo o INE, os trabalhadores empregados no limiar da pobreza aumentaram, entre 2019 e 2020, de 9,6% para 11,2%

 

Estudo

O salário hora dos trabalhadores com contratos a prazo e a tempo parcial em Portugal é muito inferior aos que tem contrato sem termo o que determina um lucro extraordinário para os patrões estimado em 4517 milhões de € por ano

Segundo o Eurostat, o salário hora médio em Portugal corresponde a 58% do salário hora médio dos países da U.E. Mas no nosso país a desigualdade salarial é muito grande, recebendo os trabalhadores com contrato precário muito menos por hora do que recebem os trabalhadores com contrato permanente. O mesmo acontece em relação aos trabalhadores a tempo parcial. O trabalho precário e o trabalho tempo parcial são fonte de lucros extraordinários para os patrões como provaremos.

 

Portugal é um dos países da U.E. com uma maior percentagem de trabalhadores com contratos a prazo, que recebem muito menos dos que têm contrato permanente, o que dá um lucro extraordinário aos patrões estimado em 3317 milhões €/ano

Portugal é um dos países da União Europeia com uma das maiores percentagens de trabalhadores com contrato a prazo. Segundo o Eurostat, em 2020, 17,8% dos trabalhadores por conta de outrem no nosso país tinha contratos a prazo, quando a média na U.E. era, no mesmo ano, de 13,4%. A percentagem de 17,8% correspondia a 713800 contratos a prazo. E esta percentagem sofreu uma redução importante com a crise pandémica pois os trabalhadores a prazo foram os primeiros a serem despedidos. Os dados do Eurostat confirmam também isso pois, em 2019, os trabalhadores com contrato a termo no nosso país representavam 20,8% dos assalariados.

A nível da Administração Pública, e em clara contradição com as declarações de António Costa sobre a necessidade de trabalho digno e sobre a afirmação que o governo o pratica (a chamada agenda do trabalho digno que se gaba ter e que certamente vai utilizar na propaganda eleitoral), verificou-se nos últimos dois anos um aumento significativo dos trabalhadores com contratos a prazo. Segundo a Direção Geral de Emprego Público (DGAEP), entre dez.2019 e set.2021, os trabalhadores com contratos a termo nas Administrações Públicas aumentaram de 74304 para 83678 (+12,6%). E há ainda a acrescentar a este número as dezenas de milhares de horas que o Estado adquire a empresas de trabalho temporário, para realizar tarefas permanentes, a quem paga 7€/hora (o trabalhador recebe menos de 5€/hora), que se encontram escondidas em “aquisição de serviços” (a ADSE, devido a falta enorme de trabalhadores tem adquirido anualmente a empresas de trabalho temporários “pacotes” de 20.000 horas).

O Estado é um grande utilizador do trabalho precário e temporário devido aos obstáculos que existem para contratar trabalhadores com vínculo permanente. Serve de prova o chamado megaconcurso centralizado no Ministério das Finanças em 2019 para a contratação de 1000 técnicos superiores que só ao fim de 2 anos é que terminou, e dos mil inicialmente previstos só acabaram por ser contratados pouco mais de metade. A ADSE que tinha solicitado ao Ministério das Finanças 10 técnicos superiores só recebeu um, e nestes últimos dois anos saíram da ADSE trabalhadores, por aposentação e mobilidade.

 

Os patrões pagam aos trabalhadores precários salários muito inferiores aos que pagam a trabalhadores com contrato sem termo, obtendo um lucro estimado em 3317,8 milhões €/ano

Os contratos a prazo estão associados sempre a salários mais baixos. O quadro 1 que se apresenta a seguir, com dados dos quadros de pessoal divulgados pelo Ministério do Trabalho de 2019 (são os últimos divulgados) demonstra precisamente isso. Em termos médios totais, a remuneração base hora dos trabalhadores com contratos a prazo é inferior aos com contrato sem termo em 28%, e a nível de ganho médio a redução atinge -29,2%.

Outra conclusão importante que se tira dos dados do quadro 1 é que quanto mais elevada é a qualificação maior é a diferença do salário hora entre trabalhadores com contrato a termo e sem termo. Por ex., a nível de quadros superiores a remuneração média horária dos trabalhadores com contrato a prazo é inferior aos que têm contrato sem termo em 40,6%, enquanto a nível de ganho a diferença para menos é também muito elevada pois atinge -42,7%. Enquanto isto se verifica a nível de quadros superiores, em relação aos profissionais não qualificados a remuneração base média dos com contrato a prazo é inferior às de contrato sem termo em apenas -4,7%, e a nível de ganhos a diferença é menor, pois é somente -2,6%.

Outra conclusão importante que se tira dos dados dos quadros de pessoal divulgados pelo Ministério do Trabalho é que a nível de “Profissionais altamente qualificados” a exploração das mulheres é muito maior do que a os homens com contrato a prazo: as mulheres com contrato a prazo recebem menos 27,3% do que as contrato sem termo e os homens apenas menos -0,9%.

Quadro 1 – Remunerações base horárias médias e ganho horário médio por nível de qualificação, sexo e por tipo de contrato – 2019

O trabalho precário (contratos a prazo) é uma fonte de lucro extra para os patrões. Se os trabalhadores com contratos a prazo recebessem o mesmo salário hora que recebem os com contrato sem termo, os patrões teriam pago mais 3317,8 milhões € em 2020 aos trabalhadores com contrato a prazo.

 

O salário hora dos trabalhadores a tempo parcial é inferior ao recebido pelos trabalhadores a tempo completo, determinando um lucro extraordinários para os patrões de 1200 milhões €/ano

O quadro 2 revela também a maior exploração a que estão sujeitos os trabalhadores a tempo parcial.

Quadro 2 – Remunerações base horárias médias, por nível de qualificação,  por sexo e segundo o regime de duração – 2019

Como revelam os dados dos quadros de pessoal divulgados pelo Ministério do Trabalho em média os patrões pagam por hora menos 18,9% aos homens a tempo parcial do que o que pagam, também por hora, aos trabalhadores a tempo completo. Às mulheres a diferença para menos é 18,5%. Como mostra também o quadro a diferença para menos varia muito de acordo com a categoria profissional do trabalhador. Segundo o INE, existiam, em 2020, 473500 trabalhadores com contrato a tempo parcial muitos deles por não encontrarem emprego a tempo completo. Se os patrões tivessem de pagar o mesmo salário hora aos trabalhadores a tempo parcial que pagam aos trabalhadores a tempo completo teriam pago, em 2020, mais 1200 milhões € de salários. O trabalho a tempo parcial é também uma fonte de importante de lucros extraordinários para os patrões à custa de uma maior exploração destes trabalhadores que, na sua esmagadora maioria, são precários porque não conseguem encontrar emprego a tempo completo.

 

Fonte de lucros para os patrões e de miséria para os trabalhadores

O trabalho precário (media 5,3€/hora) e o trabalho a tempo parcial (média 5,67€/hora) é fonte de grandes lucros para os patrões, mas de miséria para os trabalhadores. Segundo o INE, em 2020, 11,2% da população empregada estavam no limiar da pobreza. Se acrescentamos a baixa cobertura do subsídio de desemprego – apenas 44% dos desempregados efetivos recebem subsídio- e a impossibilidade de construírem uma carreira e terem uma pensão digna, é fácil concluir a situação dramática dos precários e dos trabalhadores a tempo parcial. E uma parcela importante dos 210.000 trabalhadores estrangeiros registados em 2019 segundo o MTSSS eram precários (dos países da Europa do leste, Africa, Asia e Brasil).


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