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Domingo, Novembro 3, 2024

A Primavera, Sandro Botticelli

Guilherme Antunes
Guilherme Antunes
Licenciado em História de Arte | UNL

Grande documento intelectual e artístico de um tempo contraditório, em que a construção da beleza era um primado do “homem universal”.Delicado, elegante, musical, etéreo.

O pintor concebeu este trabalho, ícone da renovação primaveril do Renascimento florentino, através duma abordagem do Naturalismo metódico e de carácter científico e sob a orientação do mais importante filósofo neo-platónico, Marsílio Ficino.

É uma obra pagã que reflecte um retorno à Antiguidade Clássica. As suas figuras são delgadas e muito idealizadas, mas parecem indicar um estilo elegante e cortês de incidência maneirista.

No eixo central da composição encontra-se a Vénus de cabeça coberta por um véu e vestida com cuidadoso recato, com um vestido largo e um manto vermelho que lhe cai de forma assimétrica.

A posição da sua mão direita parece ser um gesto da concessão da bênção e está rodeada por um arco rendilhado de folhas de fundo claro, que propõe uma forma aureolada e prenuncia as grinaldas florais que haviam de ficar associadas à virgem a partir do século que se segue.

O ventre proeminente é de evidente graciosidade, donde realça uma elegância inspiradora naquela beleza ordenadora da natureza e de onde todos os seres vivos emanam. As personagens estão situadas num cenário de laranjas, árvore a que se associa a família Medici.

No chão há uma erva escura repleta de flores toscanas e que aparecem no mês de Maio. Podem ver-se por toda a tela, violetas, rosas, morangos silvestres, jacintos, anémonas e mirtos. São pouco menos de 500 espécies de plantas, das quais 190 são flores, que se encontram identificadas neste trabalho.

 

Nota da Edição

Alessandro di Mariano Filipepi (1445 – 1510)

Sandro é o diminutivo de Alessandro, e Botticelli deriva da alcunha do seu irmão mais velho, Giovanni, conhecido como Il Botticello (o pequeno barril).

Entre 1467 e 1470, Botticelli foi aprendiz de Andréa del Verrocchio, na mesma época de Leonardo Da Vinci. Aos 25 anos abriu o seu próprio atelier e recebeu a encomenda de pintar “A Coragem”, para uma instituição judicial florentina.

Dedicou boa parte de sua carreira às grandes famílias dessa cidade-Estado da Toscana, especialmente os Medici, para os quais pintou retratos. Entre outras obras destacam-se “Retrato de Giuliano de Medici” (1475-1476) e “A adoração dos Magos” (1476-1477), obra que o colocou definitivamente sob a protecção dessa importante família, que protagonizava a história de Florença e da Itália na época.

Em 1481, Botticelli foi chamado a Roma pelo Papa Sisto 4º. para trabalhar, junto com Ghirlandaio, Luca Signorelli, Cosimo Rosselli e Perugino, na decoração da capela Sistina. São da sua autoria os frescos “As provações de Moisés, “O castigo dos Rebeldes” e a “Tentação de Cristo”.

A sua arte foi influenciada por artistas importantes como Fra Filippo Lippi e o pintor e gravador Antonio del Pollaiuolo. Participou dos círculos da corte de Lorenzo de Medici, recebendo a influência do neoplatonismo cristão que pretendia conciliar as ideias cristãs com as clássicas.

As pinturas de Botticelli são marcadas por um forte realismo, movimentos suaves e cores vivas.

Pintou cenas mitológicas, como “A Primavera” (1477) e “O Nascimento da Vênus” (1483), a qual é uma das mais célebres obras do renascimento. Nesse mesmo ano, destaca-se a série de quatro quadros “Nastagio degli Onesti”, recriações das histórias do “Decameron”, de Boccaccio.

São frequentes, também, os quadros de temática religiosa como “A Virgem escrevendo o Magnificat” (1485), “A Virgem de Granada” (1487), “A Coroação da Virgem” (1490), “Virgem com o Menino e dois Santos” (1485), “São Sebastião” (1473-1474) e um fresco sobre Santo Agostinho (1480).

Os anos que se seguiram a 1494 foram difíceis tanto para a cidade de Florença como para o pintor. Os Medici perderam o poder e o monge dominicano Girolamo Savonarola instaurou um governo republicano que criticava a corrupção da Igreja.

Botticelli reflectiu a tensão do período e a devoção religiosa em “Pietá” (década de 1490), “Crucificação Mística” (1497) e “Natividade Mística” (1501).

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