Em Santarém, António Guterres diz que “a crise dos refugiados pode ameaçar o futuro da União Europeia”
“As primeiras vítimas desta crise são os refugiados e em segundo lugar seremos todos nós europeus”
Afirmação do socialista e ex-primeiro-ministro António Guterres, que foi o orador do jantar conferência que encerrou o primeiro dia das jornadas parlamentares do PSD, que terminam esta Sexta-Feira em Santarém e que tem como tema “Credibilidade”.
“António Guterres contará com um entusiástico apoio do PSD para a sua candidatura a secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e, tenho a certeza, de todas as outras forças políticas nacionais”, afirmou Pedro Passos Coelho a abrir o jantar que encerrou o primeiro dia das jornadas parlamentares do PSD, na Casa do Campino, em Santarém.
Para o presidente do PSD, o ex- Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) “é não só o português em melhores condições para se poder fazer uma candidatura com sucesso, como o que reúne a melhor preparação e experiência, para desempenhar essa função honrando Portugal”.
Passos Coelho foi mais longe na sua oratória (ele que não estava previsto falar!) e considerou ainda que António Guterres dará “boa conta do recado” no que entende como o actual “desafio reforçado que a própria ONU enfrenta em todo o mundo”.
O socialista António Guterres que foi a “estrela mediática” da noite, agradeceu a “solidariedade” de Pedro Passos Coelho e o “apoio preciosíssimo” do PSD, sublinhando que o apoio se estende também ao Partido Popular Europeu, “a família política a que o PSD pertence”.
“A comunidade internacional falhou…”
Na sua intervenção dedicada à crise dos refugiados na União Europeia, António Guterres sublinhou que a Europa “não teve – nem tem! – capacidade” para dar uma resposta à crise, até este momento”, mas considera que “foi, sobretudo, a comunidade internacional que falhou ao não encontrar uma solução conjunta para o problema dos refugiados e da crise migratória que afecta o Mundo contemporâneo”.
“Vivemos num quadro assimétrico em que o dinheiro se move livremente e sem um controlo apertado – talvez livremente de mais -, em que os bens e serviços também se movimentam de forma organizada, mas, paradoxalmente, quanto às pessoas há cada vez mais obstáculos e não há nenhuma instituição que regule esses movimentos”, esclareceu o ex-Comissário da ACNUR, António Guterres.
“Na ausência de uma organização que regule os movimentos de pessoas, marcado pelo desequilíbrio entre países e continentes, esse papel é desempenhado pelos traficantes e contrabandistas, que se constituem como verdadeiras multinacionais do crime, com interpenetrações no tráfico de armas e droga e com o terrorismo internacional”, lamentou António Guterres que foi aplaudido efusivamente pelos dirigentes sociais-democratas.
António Guterres admitiu ainda não estar “particularmente optimista, quanto à aplicação das medidas que é preciso colocar em prática para dar resposta ao problema”.
Entre essas medidas, o candidato a secretário-geral da ONU, defende a criação de um programa de reinstalação dos refugiados que chegam à União Europeia a partir dos países de origem; uma efectiva capacidade de recepção e de distribuição por parte dos países europeus; a criação de vias regulares de movimentos migratórios; e mais politicas de cooperação para o desenvolvimento dos países de origem.
“Se isto não acontecer – e, devo dizer-vos, não tenho nenhuma garantia de que isto aconteça -, eu acho que há um risco de que a primeira vítima seja o sistema europeu de asilo; a segunda vítima, será inevitavelmente o espaço Schengen e, se essas duas vítimas ocorrerem, o próprio Mercado Único Europeu e a União Europeia ficarão ameaçados”, disse António Guterres, que classificou a actual situação de “caótica” e muito preocupante.
“Movimentos migratórios são indispensáveis”
António Guterres, considera que “os movimentos migratórios são indispensáveis para as sociedades envelhecidas da Europa, que registam uma evolução demográfica que não é auto-sustentável”.
Mas o especialista em migrações, fez ainda a intervenção entre as causas dos movimentos migratórios, aqueles que são motivadas por desastres naturais e pelos efeitos das alterações climáticas em vastas regiões do mundo, – que não se podem considerar refugiados, mas sim migrantes -, e aquelas que são motivadas pela fuga a conflitos ou perseguições, esses sim refugiados, e que têm registado uma enorme aceleração nos últimos anos”.
António Guterres recordou que quando iniciou funções na ACNUR havia 36 milhões de refugiados em todo o Mundo e, quando saiu, esse número já ia em 60 milhões e garantiu que neste momento serão seguramente muitos mais.
“Em 2011 os conflitos obrigavam cerca de 11 mil pessoas por dia a deixar os seus países, número que em 2014 já ia em 42 mil por dia. E, no entanto, tem-se verificado uma significativa redução das ajudas aos refugiados que considera ter sido o detonador da crise de refugiados em 2015”, afirmou António Guterres.
“Vivemos actualmente num mundo que já é não bipolar, nem unipolar, nem multipolar, é caótico!”, enfatizou António Guterres, considerando que “existe uma impunidade crescente para quem viola direitos humanos e para quem inicia aos conflitos”.
Para concluir a sua intervenção, perante uma assistência constituída pelos 89 deputados do PSD, Guterres deixou um elogio à classe política portuguesa que “não fez da crise dos refugiados tema de campanha, nas últimas eleições legislativas – por cá ninguém ganha votos à custa da xenofobia -, o que me faz sentir particularmente reconfortado por ser português, e devia ser exemplo para outros países”.