A pobreza ameaça mais de 25% dos portugueses, segundo dados do Eurostat, e quase 50%, de acordo com os números do Instituto Nacional de Estatística e da Segurança Social. Mesmo olhando para os mais “optimistas”, são bem mais de dois milhões as pessoas que não sabem se hoje conseguirão jantar, ainda que o jantar seja um prato de sopa ou um pão. E que, na melhor das hipóteses, amanhã terão de decidir entre pagar a conta da electricidade ou dar o pequeno-almoço aos filhos. Isto, claro, no caso de não terem já a luz cortada.
Esse é apenas um exemplo do que faz o dia-a-dia de milhões de pessoas de um país que se orgulha de estar entre os desenvolvidos da Europa, de ter uma democracia madura e onde, amiúde, se discute se os políticos não deviam ser mais bem pagos.
Ora, esses mesmos políticos – porque são os mesmos ou os seus jovens clones – gastaram dinheiro, garantido pelos nossos impostos, a fazer uma campanha eleitoral em que a pobreza e a fome só pontualmente foi recordada e, mesmo assim, numa perspectiva que sabemos ser retórica clássica de caça ao voto, para logo ser esquecida na noite de 4 de Outubro. As honrosas excepções foram protagonizadas por candidatos a deputados que, quando muito e se chegar a haver um Governo com base de esquerda, poderão aspirar a ter alguma influência na austeridade em sentido lato, mas que mesmo assim terá poucos efeitos concretos e imediatos na vida de milhões de portugueses. Dos tais mais de dois milhões que passam fome, que não têm emprego, que se defrontam com o rótulo pejorativo de “grisalhos” quando estão ainda na meia-idade e têm muito para dar ao País: em trabalho, em impostos, em transmissão de saber profissional e na passagem de experiência de vida às gerações que os seguem. E sobressai ainda o facto de, descontados os que sobrevivem à custa de pensões, ser superior a 26% o número de portugueses afectados pela pobreza. Descontemos também os que auferem subsídios e ficamos com cerca de 20%, convindo sublinhar que as crianças e as mulheres são, entre os portugueses em situação de fragilidade, os grupos mais frágeis.
Até o 17 de Outubro, Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, passou despercebido.
Nesta medida, e ao contrário do que afirmou o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, a campanha que se avizinha para as eleições à Presidência da República vai mesmo ser uma segunda volta, uma repetição do que se passou durante o mês de Setembro: promessas de melhorar a vida dos portugueses. Promessas a troco de votos.
Também aí haverá honrosas excepções, mas com a agravante de esta próxima eleição ter somente um eleito.
No dia seguinte, os portugueses com fome continuarão com fome, a estender a mão, a mendigar emprego, a aceitar situações de escravidão legal, sem acesso à dignidade básica da existência, quanto mais ao ensino, à saúde, a um tecto, a tornarem-se cidadãos plenos que contribuam para o progresso do que já foi uma grande nação.
A permanência na União Europeia tem custos e implica sacrifícios, desde logo o do controlo das contas públicas e a contenção do défice. Mas implica também o impedimento de um Estado conseguir – qual país do Terceiro Mundo – calar pela força uma revolta até agora quase silenciosa. A qual já terá estado mais longe de explodir estrondosamente, como evidenciam tantos sinais na sociedade portuguesa e tantos casos da História, nacional e universal.
Se chegarmos a essa situação que mais de dois milhões de portugueses vejam como a sua última esperança e que lhes tinha sido vendida a troco de votos, com a agitação social facilmente transformada em violência, destruição e vandalismo inerentes (e sabe-se lá o que mais), muitos barões e baronetes arriscam a ouvir como últimas palavras dos seus assessores, à laia de justificação enquanto embarcam para o “exílio” ou até noutra viagem, que “são pobres, senhores”. Muitos mais do que dois milhões!