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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Se pudesse escreveria sobre ti em Paris

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Escreveriam as minhas saudades por não encontrar ali também como o rio gelado ao fundo da fileira de cadeiras vazias deste bar fantasma (…)

Sobre aquelas espumas frias que se soltam do silêncio, que descem sem rumo contra a minha pele engasgada pasmo e nada, um frio azul mais parecia um cometa inventado para te oferecer um natal qualquer em nossa casa ao entardecer, se pudesse, sacaria de todas as garrafas vazias um candeeiro que me iluminasse o teu caminhar quando sozinho te imagino vértebra de cascatas numa praia que nem sequer existe neste recanto frio de Paris, de ruas egocêntricas e sem rimas ouço serenatas de bares à porta como quem convida alguém a entrar e sentar-se e beber ou comer ficar ali, talvez num recanto de encontros com tudo e nada ao mesmo tempo para sentir apenas a linha por preencher, sem o teu nome ali ou lá comigo, sim, escreveria sobre ti tudo o que comigo lá se passasse, descreveria palavra a palavra todas as emoções que conseguisse viver e sentir, naquele frio dos longes, lugar onde nunca estive, onde nada sei a não o que leio e releio apenas para que possa em algo descrever-te tão minuciosamente como o és efectivamente, escrever de cor o teu retrato numa página de contos contados ao sabor do tempo que entretanto decorre e passa e vai, ali fico, como se ali estivesse desde sempre e sem ti, olhando para todos os lados daquela sala decorada com brilhos e fantasias e nada de florestas apenas a neve fria à janela pendurando-se como que querendo dizer-me o que quer que seja, e pensava mesmo poder ouvi-la para depois descrever-te em resmas mesmo que vazias para que tas pudesse oferecer pelo natal em Lisboa muito tempo depois.

Crostas minhas de tanta ausência sem sequer te ter deixado um segundo que fosse sozinha, é sempre onde me sinto estar acredita, a desventrar-te linda como um soneto que li sei lá quando, mas ficou em mim ainda e só sei disso, lembrar-me dele já é saber de ti porque foi com ele que te encontrei sem espasmos mais vaidosa a correr até mim, colorida de calores doces numa ilha inventada enquanto sonhava e eras tu, mesmo acordado, o sabor daquelas águas na areia passeiam como languidos desejos de formigas em fila para a vida, rumo ao que se pretende encostado a ti nesta esplanada ensombrada pelas folhas secas do fundo de Luanda e sentados só os olhares falavam.

Se pudesse escreveria sobre ti em Paris e nada conseguiria dizer sei. Escreveriam as minhas saudades por não encontrar ali também como o rio gelado ao fundo da fileira de cadeiras vazias deste bar fantasma é como parece, não há mais nada a não ser eu e o meu pensamento de brunhos que se esfregam lindos nas fantasias do vento que me encanta e de ti só isso, lembrar-me que poderias ser tu mas não, são os meus delírios de luzes por ti sem que saiba sequer se me queres mas que importa, basta em mim sentir que te quero e pronto. O resto serão coisas para os poetas!


do livro Crónicas Para Esquecer,
Vítor Burity da Silva
Crónicas


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