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Sábado, Dezembro 21, 2024

Seis poemas de Ewaldo Schleder

Ewaldo Schleder Filho, curitibano que vive hoje em Florianópolis (SC), é um poeta singular, que transita entre o lirismo amoroso e a denúncia social, a melodia da balada e a aspereza rítmica, construindo uma poética consistente e original, próxima a um certo minimalismo construtivista. Quase a totalidade de seus escritos encontra-se em jornais e revistas – nacionais e algumas internacionais.

Integrou a coletânea Dez Poetas do Sul e co-editou o livro Mercosul no Divã. Foi premiado pela Fundação Cultural de Curitiba, curadoria de Décio Pignatari, pelo clipoema Ezra Pound. Apresentamos aqui seis poemas desse bardo inquieto, que também participa do Laboratório de Criação Poética.

 

Vigília

As paredes do cárcere
ouvem só a sua voz.
E seus ouvidos,
só as saudações:
bom dia, presidente,
boa tarde, presidente,
boa noite, presidente.

Ao longe, gritos da cidade,
brados dos desalmados
estrangulam a noite.
O silêncio dos famintos
a querer pão e trabalho
desafinam a trilha do dia.

A feira está às moscas,
as mãos, vazias
A fábrica, lacrada e sombria
Surda é a voz do mercado
E crônica a fome, a sede, o medo.

 

 

Morreu um preto

oitenta cartuchos
oitenta tubos ocos
oitenta queimas de pólvora
oitenta projéteis
– balas de chumbo
oitenta carregamentos
oitenta disparos
oitenta espoletas
oitenta balaços

que fosse um só tiro
fossem oito ou oitocentos
mas foram oitenta
para matar oitenta pessoas
e matou uma e matou tantas
o morto era a vítima
do sorteio de balas
alvo por acaso
mas era preto

 

Pátria armada

Brasileiro senta a pua
não deixa baixar o pavio
apanha em casa e na rua
todas as flores de abril

Do mágico olho da grua
à carne de Chernobyl
fome: verdade crua
a bordo do mesmo navio

Cabrália: uma índia nada nua
verde amarelo branco anil
tucanos gralhas cacatuas
festa pátria mãe gentil

Com tanta gente que amua
quartos de milha, quartos de mil
antes o mundo da lua
do que a órbita desse Brasil.

 

Tânatos

I’

o coração dos mortos
pulsa no escuro

e o dos vivos
se apaga na luz

os vivos visitam os mortos
e acendem velas na cruz

I”

o
coração
dos
mortos
mais
não
bate
e o dos vivos aperta
os
vivos
visitam
os
mortos
porque
morte
é
coisa
certa

 

desejar viver

desejar viver
intensamente

sentir a pressão
bombar no pulso

veias a fluir
éter da vida

desejar viver
ardentemente

queimar a ponte
já sem rio

uma nova estrada
do chão ao céu

viver essa viagem
desejar viver

 

 

Minha musa

Minha musa
química
Minha meta
Física
Meu fuso
Hora a mais
Hora a menos
Ora bolas
Uma volta
Sem ida
Parafuso
Fuso que falta
Na hora
Confusa
Da partida


por Claudio Daniel, Poeta, tradutor e ensaísta, é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, com mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa pela USP, além de pós-doutor em Teoria Literária pela UFMG   | Texto original em português do Brasil

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