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Sexta-feira, Novembro 15, 2024

Também um festival de documentários

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

66ª SEMINCI – Semana Internacional de Cinema de Valladolid

A SEMINCI é aquilo que poderemos classificar como um festival verdadeiramente generalista. Aqui cabem obras de ficção e documentários, curtas e longas metragens, cinema de animação, filmes fantásticos ou realistas, temáticas e estilos cinematográficos diversificados e há sempre espaço para a divulgação de cinematografias pouco comuns nos ecrãs ocidentais.

E, neste contexto, poder-se-á dizer que a SEMINCI é também um festival de documentários, com secções expressamente dedicadas a esse tipo de filmes. Secções com carácter competitivo e dotadas de júris próprios. Em ‘Tiempo de História’, encontram-se produções oriundas de vários países (incluindo de Espanha) e em ‘DOC. España’ podem ser vistos exclusivamente trabalhos de produção espanhola.

 

“Tiempo de Historia”

15 longas metragens e nove curtas constituem o programa desta mostra que aborda temas tão variados como  os conflitos políticos e sociais dos tempos actuais, a luta das mulheres pela igualdade em várias partes do mundo, as questões ligadas à identidade de género, o ciberterrorismo, o trabalho de heróis anónimos que procuram mudar o mundo que conhecem, assuntos de âmbito cultural como os 50 anos da viagem dos Beatles à Índia e a evocação, várias vezes tratada na SEMINCI, de episódios do conflito basco e dos quadros mais negros da repressão franquista.

Neste ciclo destacam-se três produções espanholas:

  • Las cartas perdidas. La cárcel y el exilio de las mujeres republicanas de Amparo Climent, actriz e cineasta valenciana. Um filme que descreve a repressão exercida sobre as mulheres nas prisões franquistas através das cartas por elas enviadas a familiares ou amigos;
  • Impuros, de Álvaro Utrera. Na passagem do décimo aniversário sobre o fim das actividades da ETA, dois amigos e antagonistas políticos ( um do PSOE e outro do PP), ambos nascidos em Janeiro de 1976,  passam quatro dias numa casa rural do País Basco, refectem sobre o seu percurso antes e depois da célebre declaração de 2011, sobre a forma como escaparam a atentados e perseguições da ETA, como passou a ser a vida num País Basco sem ETA e manifestam-se contra qualquer tipo de totalitarismo;
  • LA QueenCiañera de Pedro Peira. Um retrato de,Bamby Salcedo, imigrante transgénero indocumentada, seropositiva, trabalhadora sexual, vítima de agressões sexuais e em reabilitação da toxico dependência, que se converteu numa das activistas ‘trans’ mais reconhecidas no sul da Califórnia.

Da Argentina:

  • Rancho de Pedro Speroni, que conta as vidas cruzadas dos reclusos de uma prisão de alta segurança;
  • Corsini interpreta a Blomberg y Maciel de Mariano Llinás que recrea a gravação de um disco mítico de um dos maiores cantores argentinos.

Outros títulos:

  • My Childhood, My Country. 20 Years in Afghanistan de Phil Grabsky, Shoaib Sharifi (Reino Unido /Afganistão), filme que acompanha um rapaz que desde os sete anos viveu numa gruta  junto aos Budas de Bamiyán, até à actualidade em que se tornou operador de câmara de televisão em Cabul;
  • Untold Secrets de Teresa Lavina (Irlanda), que  conta as experiências das sobreviventes dos lares materno-infantis irlandeses e se centra na vida e na educação de uma delas.  O relato de uma vida, num ambiente profundamente católico, assombrada pelos abusos dos pais adoptivos;
  • Misha and the Wolves de Sam Hobkinson (Reino Unido/Bélgica), um filme estreado no Festival de Sundance, que analisa  a história da escritora Misha Defonseca, que vendeu milhares de exemplares do um livro de memórias como sobrevivente do Holocausto e que afinal era uma fraude;
  • A Man and a Camera de Guido Hendrikx (Países Baixos), um questionamento sobre a natureza humana. Um ser  enigmático deambula poelo interior rural da Holanda apontando silenciosamente a sua câmara a todo o que encontra no caminho;
  • Bottled Songs 1-4 de Chloé Galibert-Laîné, Kevin B. Lee (Alemanha / França), que trata das estratégias que nos permitem compreender a a propaganda terrorista que circula nos canais digitais;
  • Writing With Fire de Rintu Thomas, Sushmit Ghosh (Índia). Cinco anos de trabalho das autoras para contar a história de um grupo de mulheres ‘dalit’ (a casta mais baixa do sistema social do país) ousam dirigir um jornal desafiando o panorama de uma comunicação social da Índia, desde sempre reduto exclusivo dos homens;
  • Walk With Angels de Tomasz Wysokiński (Polónia), um trabalho sobre um homem que, sem qualquer ajuda, dedica a sua vida a procurar crianças sequestradas e desaparecidas na África do Sul;
  • The Beatles And India de Ajoy Bose, Peter Compton (Reino Unido),  exibido fora de concurso. O filme comemora os 50 anos sobre a viagem dos quatro de Liverpool a Rishikesh,  uma viagem que marcou um antes e um depois na forma como eles entenderam a música e a vida;
  • A Symphony of Noise – Matthew Herbert’s Revolution, de Enrique Sánchez Lansch (Alemanha). O realizador, premiado em 2010 nesta secção da SEMINCI, acompanha durante dez anos o músico britânico Matthew Herbert;
  • Luchadoras de Paola Calvo, Patrick Jasim (Alemanha/México) é o retrato íntimo de três mulheres de Ciudad Juárez que se dedicam à luta livre. Um grito pela afirmação e pela liberdade das mulheres num ambiente profundamente dominado pelo machismo;
  • North by Current de Angelo Madsen Minax (EUA). Três anos depois da morte inexplicável da sobrinha o realizador regressa à casa da sua família ‘mormon’, no Michigan.

 As curtas de “Tiempo de Historia”

  • Deine Strasse  de Güzin Kar (Suíça);
  • La gàbia de Adán Aliaga (Espanha);
  • Comrade Tito, I Inherit de Olga Kosanovic (Áustria/Alemanha);
  • In Flow of Words de Eliane Esther Bots (Países Baixos);
  • Balcony Concert de Diana Kadłubowska, Krzysztof Kadłubowski (Polónia);
  • Lo que no se ve ni se oye de Clara Cullen (Argentina),
  • Naya de Sebastian Mulder (Países Baixos);
  • VO de Nicolas Gourault França);
  • When We Were Bullies de Jay Rosenblatt (EUA)

 

O júri de “Tiempo de Historia”

O júri de ‘Tiempo de Historia’ é formado por Antonio Delgado Liz, autor de curtas-metragens e documentários e com uma larga carreira como director de festivais de cinema documental, por Abraham Do, crítico e professor de cinema e por Maria Silvia Esteve, realizadora e montadora argentina, premiada no Festival  de Locarno.

 

“DOC. España”

São 17 os trabalhos incluídos nesta secção que a SEMINCI dedica especificamente aos documentários de produção espanhola. A exemplo do que tem acontecido em anos anteriores um significativo número deles são biografias de autores e artistas ou têm como tema abordagens de âmbito cultural. A memória da República e do tempo da ditadura franquista voltam a estar presentes numa selecção em que não faltam incursões em temas da actualidade como a morte de idosos nos lares em consequência da pandemia ou a lista de de devedores à Fazenda Pública.

As personalidades da cultura ou do meio artístico evocadas nos filmes deste ciclo são:

  • o artista de flamenco Miguel Vargas Jimenez “Bambino “ (1940/1949), em Algo salvaje. Bambino de Paco Ortiz;
  • Rafael Canogar, nome incontornável da pintura espanhola do século XX em Canogar, las formas del arte de Pepa G. Ramos;
  • a cantora lírica Elvira de Hidalgo, professora de Maria Callas, em Elvira de Hidalgo. Donare la Divinità de Vicky Calavia;
  • em Halffter, 90 compases Juan Vicente Chuliá evoca Cristóbal Halffter, grande figura da música espanhola, nascido em Madrid e falecido no passado mês de Maio com 91 anos de idade. Director de orquestra, compositor e professor, cultor do dodecafonismo e do serialismo que procurava combinar com temas tradicionais espanhóis  é considerado como uma das personalidades mais marcantes da cultura de Espanha nos últimos 50 anos;
  • o editor Vicente Miguel Carceller. Em Carceller. El hombre que murió dos veces Ricardo Macián aborda a vida de um homem comprometido com a República, que com o seu semanário “La traca”, revista satírica e anticlerical, deu voz ao povo mais simples desde 1909 até 1940, quando foi  silenciado e fuzilado pela ditadura franquista.

Também ambientados em contextos culturais são:

  • Camino incierto de Pablo García Pérez de Lara, apresentado fora de concurso, o percurso num caminho em que se misturam a vida e o cinema,  pontuado com os olhares dos cineastas Apichatpong Weerasethakul, Pedro Costa, Manoel de Oliveira e Lluís Miñarro;
  • Hasta el alba de Horacio Alcalá, que se desenvolve em torno do bailado “Giselle”, obra central do Romantismo;
  • El sueño de Sigena de  Garcés Lambert, sobre un astrofísico, nascido na localidade espanhola de Villanueva de Sigena, na província de Hesca, que decide reconstituir a Sala do Capítulo do Mosteiro de Sigena  destruída durante a Guerra civil de Espanha.

Uma história estranha e trágica nos tempos da República é a contada por Marcos Nine em A Virxe Roxa. Em 1933 Aurora Rodríguez mata a tiro a sua própria filha Hildegart, enquanto esta dormia. A jovem, com apenas 18 anos, era uma activista do socialismo e da revolução sexual, uma das feministas mais destacadas da Segunda República Espanhola.

Completam a lista das obras desta secção do festival:

  • Shooting for Mirza de Juan Gautier, que reconstitui através dos filhos a figura do bósnio Mirza Delibašić, lenda do  basquetebol europeu dos anos 70, falecido em 2001 com 47 anos depois de se ter tornado um herói nacional ao permanecer junto do seu povo durante a guerra de Sarajevo;
  • Breathe de Susanna Barranco, realizado a partir da relação pessoas entre as reclusas de um centro penitenciário personal entre las internas del centro penitenciario-
  • Hechos probados de Alejo Moreno), que revela a história do cidadão que liderava a primeira lista de devedores ao fisco espanhol em 2015;
  • La muerte más cruel de Belén Verdugo, que se centra na morte de mais de vinte mil idosos residentes em lares entre Março e Junho de 2020,  em consequência da Covid19, com os testemunhos de familiares, trabalhadores dos lares e especialistas;
  • Posidonia de Adán Aliaga, que procura descobrir os segredos desta planta aquática, o ser vivo mais antigo do planeta;
  • El vent que ens mou de Pere Puigbert, que segue os passos de uma mulher idosa que viveu toda a sua vida numa aldeia do norte da Catalunha.

Falta referir nesta lista dos participantes em “DOC. España” o filme já destacado no primeiro texto sobre a SEMINCI e exibido antes de o festival ter começado oficialmente : La Naranja Prohibida de Pedro González Bermúdez, documentário sobre a estreia em Valladolid, em 1975, de um filme proibido pela censura franquista, Laranja Mecânica de Stanley Kubrick.

O júri de “DOC. España”

O júri esta secção é formado pelo realizador e guionista Ignacio Acconcia, nascido na Argentina mas criado em Barcelona,  por Héctor Domínguez-Viguera (vencedor do Doc España/2020 com “Tierra de Leche y miel”) e por Manuel Menchón que também brilhou na SEMINCI do ano passado com ‘Palabras para un fin del mundo’, sobre a figura de Miguel de Unamuno.

 

Cine & Cambio Climático

As preocupações com o meio ambiente e com as mudanças climáticas  têm vindo a ocupar um espaço cada vez maior nos principais festivais de cinema. O certame de Valladolid não foge à regra e, desde há quatro anos, inclui na programação um ciclo competitivo sobre estas problemáticas. A secção tem um júri específico constituído por pessoas que aliam a sua experiência da área do cinema uma actividade significativa na defesa da natureza e dos valores ambientais.

Nesta 66ª edição da SEMINCI competem pela ‘Espiga Verde’ sete longas metragens (três delas espanholas) e duas curtas.

As longas metragens são:

  • Animal de Cyril Dion (França), um documentário que integrou a secção oficial do Festival de Cannes. Dois adolescentes de 16 anos fazem uma viagem extraordinária , que os leva a compreender que estamos profundamente ligados às demais espécies;
  • How to Kill a Cloud (Como Matar uma Nuvem) deTuija Halttunen (Finlândia / Dinamarca), que descreve o dilema moral de uma cientista quando consegue uma bolsa de investigação de 1,5 milhõesl de dólares para participar num ambicioso projecto que procura estimular a ocorrência de chuvas nos  Emirados Árabes Unidos;
  • I’m So Sorry  (Lamento Muito) de Zhao Liang (Hong Kong / França / Países Baixos), que se debruça sobre a questão do nuclear, enumera factos históricos e a situação actual do desastee nuclear que afecta o conjunto da humanidade;
  • Living Water de Pavel Borecký (República Checa /Suíça/ Jordânia),  que conta a disputa entre o Estado da Jordânia, as empresas agrícolas e as comunidades indígenas pela última reserva abundante de água potável;
  • De Quijotes y semillas de Patxi Uriz, Jordi Matas, um interessante e divertido road movie sobre a viagem em “verducleta” (uma horta móvel carregada de sementes) de um cozinheiro e um permacultor, desde Tudela (em Navarra,  até  ao Festival de Cinema de Málaga (na Andaluzia). Uma viagem de 900 quilómetros para a apresentar um documentário sobre os últimos hotelãos Navarra;
  • Posidonia de Adán Aliaga e El vent que ens mou de Pere Puigbert já referidos anteriormente porque também competem na secção ‘DOC. España’.

As curtas metragens são:

  • Aska  de Clara Milo (Islândia/Canadá) que também participa na secção oficial e
  • Naya de Sebastian Mulder (Países Baixos), que concorre em ‘Tiempo de Historia’.

O júri da “Espiga Verde”

Vão apreciar os filmes de Cine & Cambio Climatico,  David Baute, director do Festival Internacional de Cine Medioambiental de Canarias (FICMEC) e realizador de Éxodo climático, documentário vencedor da ‘Espiga Verde’ em 2020,  Miguel López Cabanas, membro da Direcção da Greenpeace em Espanha e Sandra Sutherland, professora e jornalista da RTVE desde 1981 onde foi  dirigiu e apresentou o programa ‘Agrosfera’ dedicado às questões ambientais.

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