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Segunda-feira, Novembro 4, 2024

Sentados num copo vazio

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Há entre as ideias e o percurso um perfume calado, uma sombra disfarçada que cante e deslumbre quem devagar passa por uma livraria e descobre o inusitado sentado à esquerda da montra.

Os silêncios que nos falam, os olhares que nos explicam, o dilúvio de viver entrincheirado nesta liberdade de ser, nesta vontade de contar contos aos que nos escutam num sofá de qualquer sala. As ideias são divagantes, caminham, viajam noites e dias sob a luz reflexa das saudades, dos remorsos e das ideias, os silêncios encantam e inebriam as falésias escondidas por qualquer cidade aberta junto a um mar muito perto, sim, somos o reflexo da nossa própria inconstância, o inflexo da nossa própria verdade, inócuos perante a fatalidade.

Sabes, quantas vezes me apetece nadar por essa água furtiva de quimeras que varrem os tempos, ir até onde me permitem as forças, varrer o tempo e a distância num mergulho de mel nesta água salgada. Vivo entre os momentos e o tempo que tiver para sorrir e cantar, este quarto de letras abstractas mergulhadas nas lamelas de xanax, cansado tantas vezes me sinto, sim, o cansaço de hibernar nesta sala de todos onde e com todos a ladearem-me entre paredes abertas, ouvir o ruído do vento lá fora, as trincheiras varridas da vida desta casa sem ninguém onde todos sentados num copo vazio.

Leio à esquina Brecht, numa outra socapa, Becket, releio a vida num escuro vadio e só fados na alma, a casa cansa-me de vertigens ambulantes como ciprestes a vadiarem as linhas desta página, das maresias lá longe onde nem mar se encontra, o baldio solto nas montras distantes e eu num casebre sozinho sem ofuscar nada varrendo as esquinas com palavras soltas levadas a vento, sabes, a vida torna-se curta com esta distância e vontade de ir mais longe, tudo fica ali ao lado como num enterro de tantos ao mesmo tempo, de todos numa vala comum sem sapiência nem oração.

O meritíssimo deambula às voltas da campa suplicando o divino, a eternidade já foi e ainda permanece nestas cabeças de vulto vago entre cansaço e velório, a morte canta na nossa voz onde lágrimas se despedem do sonho. Um sonho curto ainda que com tantos anos à sua frente. Ao olhar dos presentes uns pedaços de terra avermelhada ali encostada e nós distantes, pensando sem pensar, acredito, tudo cansa e até a se morte esmorece nas nossas cabeças que viajam a vida na sua estrada de saúde e glórias. Sinto despenharem-se sobre a cabeça jorradas de água fria, o descambar de nuvens insipidas e vazias sobre nós, somos tantos ali e nada parece ser verdade, sim, que será então verdade se tudo na vida é mentira escondida nos vultos e sombras das portas a bater?

Entre os dias que percorro a vida descubro o fim da minha linha na minha cama, na minha rua, em que esquina ou casebre, que vontade ou nada do que disse e pouco importa, penso ser verdade este sargaço embrenhado de tantos nadas a cobrirem-me de mantas velhas e sujas de vento e tempo. Somos saúde e saudade e nada nos cansa, já nascemos propícios ao cansaço e por muito pouco nada é tudo. Sinto a hora de me embrenhar num longo e rico descanso, de desmontar destas falésias sonhadas em vozes a repetidos nadas na sala da minha vida, da minha eterna ausência mesmo estando lá.

 

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