Para demonstrar por que razão concordo com o filósofo inglês, partilho convosco um incidente que ocorreu quando um gajo tinha 12 anitos.
O meu falecido avô, que foi pastor numa das igrejas mais importantes a “operar” em Angola, tinha sido convidado para um congresso no exterior. Por isso, o velho pediu que eu lhe emprestasse a mala que, além da roupa, servia para um gajo guardar lá documentos, livros, brinquedos, etc.
Aceitei sem hesitação. Gostava muito daquele papoite.
Contudo, no dia seguinte, vindo da escola, encontrei um dos meus tios a lavar a mala, sob supervisão minuciosa do avô. Fiquei muito chateado. “Porque é que não me esperaram?”, perguntei aos berros, reforçando que havia na mala papeis importantes que se podiam perder. O avô ainda me tranquilizou que ele mesmo se encarregara de revistar a mala bolso por bolso, mas aquilo só me enfureceu ainda mais. “Não pode! Há coisas aí que só eu é que devia mexer.”
Escandalizei-me de tal forma que o avô acabou por me devolver a mala, pois cheguei a acusá-lo de ter deixado perder uma disquete, o que não era verdade. A verdade mesmo é que eu queria protagonismo. Queria sentir-me prestável, importante, fazedor de favores. Resumindo: queria que o avô se caxicasse diante de mim.
Defactamente, é legítimo que haja quem interprete o incidente da mala como uma crise própria de um adolescente. Uma atitude irreflectida de um menino acabadinho de experimentar o conturbado processo de puberdade. Mas eu olho para a coisa de forma diferente. Aliás, sendo o homem bom por natureza, como defendeu Jean-Jacques Rousseau, porque é que não fiquei felicíssimo por ajudar o avô?
Por isso, desde aquele incidente, nunca mais me assustei com os invejosos. Nunca me preocupei com os fofoqueiros. Convivo avontademente com os dissimulados.
As pessoas são assim! Podem querer o teu bem, mas desconseguem de aceitar que estejas bem sem a intervenção delas. Adoram sentir que o bem que até acontece se deve à benevolência delas. E quando lhes escapas do radar, mesmo sem querer querendo, são capazes de te fazer/desejar mal. É a natureza humana. Nada a fazer.
O autor escreve em PT Angola