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Domingo, Novembro 24, 2024

Sete poemas de Yara Darin

Yara Darin, natural da cidade de Marília (SP), é autora de poemas que registram impressões de viagens, observações da natureza, experiências interpessoais e ainda cenas e eventos da história recente do País, marcada a cutelo pela exclusão social e violência política.

Sua poesia revela uma arquitetura concisa, quase cabralina, em que se destacam metáforas expressivas, que conseguem traduzir a dor de quem é contemporâneo de uma época trágica.

Apresentamos aqui alguns poemas da autora.

 

Retrato de um povo

geração de chumbo
corpos de lama
oprimidos em cada célula

lâmina de foice
fios de faca afiados
chibata de sete nós

democracia do medo
olhar latifundiário
fortuito sabiá-do-campo

terra vermelha sovada
lavradores sem teto
útero fecundo à semente

estrelas da eternidade
aos olhos do camponês
tudo parece alegoria

pés carcomidos
cicatrizes que sangram
morrer é nada

o nada persiste.

 

Abril

Rasgo oceanos
meu corpo desperto

ao nascer do dia
contempla as feridas

na pele esquálida
quase sem vida

onde correntes separam
teu rosto e o meu

são turbulências ‘a vista
pelas marés de abril

fragmento de nossa história
tão pouco tão profundo

abandono do que faz falta
da medula aos poros

somos viajantes eternos
meu corpo no teu corpo

adormecido, fenecendo
no azul da tua boca

 

*****

 

silêncio onde brota a semente
um sonho transpõe o gozo

contorno irregular da face
palidez refletida no espelho

navego em hora sem tempo
cabelos revoltos, batom nude

desvendo curvas no ventre
traço linhas cruzadas no ar

selva epilética, corpo quente
algo derrete em mim

o quadro na parede
abisma-me,

o que faz uma mulher
dentro de uma pintura?

 

Aleppo

Cicatrizes no ventre
feridas de guerra
corpo de mulher em brasa
marcado a ferro
como gado no abate

 

Camaleão

Como expor-me a ti
com tantos defeitos
tantas inquietudes
tantos desajustes.

Do nascente ao poente
me isolo, me afasto
tomo outra cor
— sou camaleão.

 

*****

 

O outono
desenhado na paisagem
amante de folhas secas.

 

*****

 

Sangue na sarjeta
fel entre dentes
vento eriça cabelos
brilho de baioneta
nas mãos do inimigo,
em tempo sem tempo,
morre ali na valeta.


por Claudio Daniel, Poeta, tradutor e ensaísta, é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, com mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa pela USP, além de pós-doutor em Teoria Literária pela UFMG   | Texto original em português do Brasil

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