Yara Darin, natural da cidade de Marília (SP), é autora de poemas que registram impressões de viagens, observações da natureza, experiências interpessoais e ainda cenas e eventos da história recente do País, marcada a cutelo pela exclusão social e violência política.
Sua poesia revela uma arquitetura concisa, quase cabralina, em que se destacam metáforas expressivas, que conseguem traduzir a dor de quem é contemporâneo de uma época trágica.
Apresentamos aqui alguns poemas da autora.
Retrato de um povo
geração de chumbo
corpos de lama
oprimidos em cada célulalâmina de foice
fios de faca afiados
chibata de sete nósdemocracia do medo
olhar latifundiário
fortuito sabiá-do-campoterra vermelha sovada
lavradores sem teto
útero fecundo à sementeestrelas da eternidade
aos olhos do camponês
tudo parece alegoriapés carcomidos
cicatrizes que sangram
morrer é nadao nada persiste.
Abril
Rasgo oceanos
meu corpo despertoao nascer do dia
contempla as feridasna pele esquálida
quase sem vidaonde correntes separam
teu rosto e o meusão turbulências ‘a vista
pelas marés de abrilfragmento de nossa história
tão pouco tão profundoabandono do que faz falta
da medula aos porossomos viajantes eternos
meu corpo no teu corpoadormecido, fenecendo
no azul da tua boca
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silêncio onde brota a semente
um sonho transpõe o gozocontorno irregular da face
palidez refletida no espelhonavego em hora sem tempo
cabelos revoltos, batom nudedesvendo curvas no ventre
traço linhas cruzadas no arselva epilética, corpo quente
algo derrete em mimo quadro na parede
abisma-me,o que faz uma mulher
dentro de uma pintura?
Aleppo
Cicatrizes no ventre
feridas de guerra
corpo de mulher em brasa
marcado a ferro
como gado no abate
Camaleão
Como expor-me a ti
com tantos defeitos
tantas inquietudes
tantos desajustes.Do nascente ao poente
me isolo, me afasto
tomo outra cor
— sou camaleão.
*****
O outono
desenhado na paisagem
amante de folhas secas.
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Sangue na sarjeta
fel entre dentes
vento eriça cabelos
brilho de baioneta
nas mãos do inimigo,
em tempo sem tempo,
morre ali na valeta.
por Claudio Daniel, Poeta, tradutor e ensaísta, é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, com mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa pela USP, além de pós-doutor em Teoria Literária pela UFMG | Texto original em português do Brasil
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