Definitivamente, as relações entre Angola e Portugal têm um efeito toupeira que Lisboa ou, melhor dito, certos sectores de Lisboa, apreciam vivamente com um indisfarçável toque de sadismo sempre à ilharga.
Em boa hora o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, deixou claro, certa vez, que não fazia qualquer sentido avançar-se já para uma pretendida «parceria estratégica» com Portugal, pela razão óbvia de que, por lá, é fragilíssimo o interesse por tal tipo de relação privilegiada, como o demonstram os reiterados actos inamistosos e hostis contra Angola e os seus governantes.
Vê-se que as forças que às margens do Tejo trabalham freneticamente contra a estabilidade das relações entre Angola e Portugal estão num daqueles momentos de euforia imparável. Os aliados dos jornais e das televisões, com a SIC no comando, vivem jornadas de mobilização a tempo inteiro, porque o momento parece magnífico para descarregar fel sobre Angola.
Desde Lisboa, procuram adormecer-nos com a cantata da separação de poderes. Ou seja, que nos devemos calar e aceitar quando membros da alta hierarquia governativa de Angola são «metralhados» na praça pública, via jornais, rádios e televisões, por assuntos que era suposto circularem nos limites estritos do segredo de justiça.
E pedem-nos que entendamos, que não levantemos a voz, porque em Democracia é mesmo assim, que à Justiça não se pode mandar calar nem pedir que escolha timings outros para exercer o ofício de toupeira, fazendo chegar aos «amigos nas Redacções» os factos que deveriam pertencer ao foro sigiloso dos tribunais e advogados. Se é contra Angola, não faz mal, o que se diz nos manuais, em todos eles, pode ser temporariamente suprimido!
Querem que finjamos que não percebemos que as escolhas dos momentos são cirúrgicas; que as pessoas sob ataque são aquelas escolhidas para o «sacrifício»; que os objectivos a atingir são os que correspondem à sua longa incapacidade de recuperação do trauma da descolonização!
É porque se ama demasiado Angola e por isso não se consegue resistir à tentação de se imiscuir nos seus assuntos, é isso? Então o caminho é o do psiquiatra. Farão muito jeito certas e determinadas consultas de especialidade ao «tristonho exército de órfãos do Império», e, já agora, aos seus pupilos que, do lado de cá, se reproduzem como cogumelos venenosos em tempo de chuva nos bosques de África.
Já se sabe: vem aí uma saraivada de tiros na direcção de João Lourenço. Dá até a sensação de que quem vota nas eleições angolanas são eles, para existir esta patológica preocupação com os nossos políticos, os nossos governantes, os nossos quadros, os nossos cidadãos.
Desde 1975 que nascemos mulheres e homens cidadãos de um país livre e soberano e esta é a parte que mais custa a apreender por lá. Já lá vão mais de quatro décadas e o complexo de colonizador entristecido não sai da cabeça de muita dessa gente. Replicam-se no estender do tempo e, sem querer – ou talvez querendo, quem sabe! – passam a doença aos que vão nascendo muito depois. Viu-se como reagiram os ressabiados à morte de Mário Soares, o compatriota acusado de ter gerido mal o dossier descolonização de Angola como se, naquelas circunstâncias históricas, existisse outro caminho que não fosse atender à vontade indómita dos angolanos de se verem livres de amos e tutores.
Menos mal que as SICadas & afins se manterão por isso mesmo: barulho inócuo que não impedirá Angola de fazer o seu caminho!
Artigo publicado inicialmente no jornal angolano, O PAÍS.
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