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João de Sousa

Quarta-feira, Janeiro 22, 2025

Silas continua entre nós

Silas Cerqueira desapareceu ontem fisicamente do nosso convívio.

Silas Cerqueira bateu-se pela paz genuína, a que nasce do repúdio pela guerra, pelas desigualdades, pela injustiça social, pela exploração da mulher e do homem. Por isso, o desaparecimento de Silas Cerqueira é algo que não diz respeito aos media sempre tão bem informados deste país, não merece ser do conhecimento dos portugueses.

Silas Cerqueira era um homem de princípios e convicções, características também caídas em desuso. Tive o privilégio de lhe fazer a primeira entrevista depois do regresso do exílio em Paris, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, porque na chefia de A Capital havia quem soubesse da existência de Silas e da sua luta, mesmo que não se identificasse com todas as suas posições cívicas.

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Era outro jornalismo, eram outros jornalistas.

Nessa entrevista Silas Cerqueira anunciou os projectos da luta pela paz em Portugal protagonizada pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação, instituição que nascera na clandestinidade. Porque a luta pela paz era proibida no Portugal fascista. Hoje não é ilegal, está apenas condenada à surdez oficial, ao desprezo, à calúnia.

No entanto, a obra de Silas Cerqueira e do Conselho Português para a Paz e Cooperação é algo de que Portugal se deve orgulhar porque, ainda que apenas tolerada de início, e hoje completamente ignorada, projectou o país no mundo e foi determinante para alguns acontecimentos que marcaram a vida internacional.

 

As conferências internacionais sobre a Palestina e a África Austral promovidas pelo Conselho da Paz em Portugal, sob o impulso dinâmico de Silas Cerqueira, trouxeram esses problemas para a arena internacional quando Yasser Arafat e Nelson Mandela não passavam de “terroristas” para os dirigentes mundiais, incluindo os da União Europeia. Em Portugal poderiam ser encontradas excepções por exemplo nas pessoas dos ex-presidentes Costa Gomes, Ramalho Eanes, Jorge Sampaio e da ex-primeira-ministra Maria de Lurdes Pintasilgo.

Foi o Movimento Mundial da Paz, de que Silas Cerqueira era alavanca poderosa – embora preferisse a discrição pessoal – quem levou Yasser Arafat à Assembleia Geral das Nações Unidas erguendo o seu ramo de oliveira; foi o Movimento Mundial da Paz que nunca deixou cair a luta pela libertação de Mandela, até ao dia mágico em que ela se concretizou e os que o cognominavam “terrorista” se tornaram, por encanto, os seus maiores admiradores e aduladores.

Até ao momento em que as suas imensas faculdades lhe permitiram, Silas Cerqueira não deixou de se bater pelas causas da paz, da justiça e legitimidade internacional, pelos direitos inalienáveis dos povos que lhes continuam negados como no Sahara Ocidental, na Palestina, nas áreas curdas; contra o racismo e as várias formas de apartheid, com realce para o mais criminoso em acção – o israelita.

Enquanto as forças lhe permitiram, nem por um momento deu tréguas à denúncia das situações vergonhosas criadas com o chamado “processo de paz” israelo-palestiniano e com as guerras no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, no Iémen, na Síria, no Mali, em tantos outros lugares do mundo.

Silas Cerqueira deixa-nos fisicamente. Portugal, o seu país, não sabe quem foi, mas nem por isso o legado que nos deixou é menos precioso e motivador. O Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), o MPPM – Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente – que ele ajudou a fundar, numerosas associações locais e de jovens contra a guerra espalhadas pelo país, um conjunto vasto de cidadãos seus companheiro e dispostos a prosseguir a sua luta têm agora sobre si a enorme responsabilidade e o orgulho de continuar o trabalho de Silas Cerqueira.

A sua determinação, a dedicação sem tréguas, a disponibilidade para a paz e a sua confiança no êxito do caminho seguido são, porém, muito difíceis de igualar. Cabe-nos também essa tomar em mãos essa missão, por impossível que pareça.

Até sempre Camarada Silas Cerqueira.

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