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Domingo, Dezembro 22, 2024

Silêncios cúmplices a mais…

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

Governo PS / António Costa

Verificamos que está tudo praticamente na mesma! E que, não obstante, desde as organizações representativas dos trabalhadores (Comissões de Trabalhadores e Sindicatos e respectivas Confederações) até aos partidos políticos que se proclamam de esquerda reina o mais cauteloso e oportunista dos silêncios sobre as questões essenciais e, mais ainda, o reeditar de teorias absolutamente reaccionárias como as da “estabilidade governativa”. Todos eles, mesmo os que não estão formalmente sentados no Parlamento, parecem pois gostar daquilo que a mesa do Orçamento, ao menos por ora, lhes garante.

Portugal, por força da sua pertença ao euro, tem, em termos percentuais, a 2ª maior dívida pública da Europa e que não cessa, aliás, de se agravar (à razão de 1.442 milhões de euros por mês com o Governo de Costa). Mas quanto à saída do euro, aquilo que por exemplo PCP e BE defendem é, não que Portugal tem, por uma questão de independência e sobrevivência nacionais, que sair do euro mas sim que… “tem que estar preparado para essa saída”, não definindo coisa alguma sobre a mesma saída.

Estaleiros Navais de Viana do Castelo

Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo – instrumento estratégico e fundamental do nosso desenvolvimento económico e de uma política nacional de defesa do mar como um dos nossos maiores recursos – foram destruídos, entregues de mão beijada, por um pseudo-concurso cujo desfecho final toda a gente conhecia, a um grupo económico privado falido (a Martifer) e centenas e centenas de trabalhadores lançados no desemprego por um acordo de traição lavrado entre o Governo de Passos Coelho e de Portas e a União dos Sindicatos de Viana do Castelo, nas costas da Comissão de Trabalhadores quando esta se encontrava em Bruxelas lutando contra a destruição dos mesmos Estaleiros, tudo isto com a promessa (claro que não cumprida) de reabsorção, pela mesma Martifer, da maior parte dos trabalhadores.

E o que fez o Governo de Costa, e o que fazem e dizem os Sindicatos? Nada, chancelando assim esse autêntico crime de lesa-pátria e de lesa-trabalhadores!

TAP

A TAP foi privatizada por meio de um apressado e opaco processo de venda por tuta e meia, eivado de irregularidades e ilegalidades – sempre firmemente denunciados, é certo, pela Associação Peço a Palavra – e o que fizeram, e fazem, o Governo de Costa e os Sindicatos? Estes calam-se e aquele o que tratou foi de procurar “legalizar” a negociata com o acordo de 50%/50% com os próprios predadores de uma empresa absolutamente vital não apenas para o desenvolvimento económico como para a unidade e a afirmação da soberania do nosso País. E tratou, melhor, trataram todos de selar assim a regionalização e destruição definitiva de uma transportadora aérea nacional e de bandeira.

Metro de Lisboa

Nas empresas de transportes, a começar pelo Metro de Lisboa onde, do mesmo passo que se empenharam em milhares de milhões de euros nas negociatas dos swaps, cortaram, a partir de 1 de Janeiro de 2014, os complementos de reforma, consagrados há décadas na contratação colectiva, Governo e Sindicatos acordaram em, repondo o pagamento de tais complementos apenas a partir de 1 de Abril de 2016, aceitar o corte dos 31 meses assim entretanto confiscados aos trabalhadores, defender a todo o transe e por todos os meios e recursos (designadamente nos Tribunais) esses mesmos cortes e fechar por completo a boca sobre eles e sobre os ditos swaps e respectivos responsáveis.

Memorando de Entendimento

Em especial pelas Leis nºs 23/2012, de 25 de Junho, 64/2012, de 15 de março e 69/2013, de 30 de Agosto e em cumprimento das exigências do chamado “Memorando de Entendimento” da Tróica – cuja natureza jurídica, porém, nunca se quis discutir – e indo até além delas, a então maioria PSD/CDS impôs a facilitação dos despedimentos e a drástica diminuição das respectivas indemnizações, criou uma nova modalidade de despedimento por alegada inadaptação do trabalhador (mesmo sem modificações nos respectivos postos de trabalho mas unicamente porque ele “rende” menos por estar mais velho, mais doente ou mais cansado), diminuiu a duração e o valor do subsídio de desemprego, facilitou e incentivou a prestação de trabalho a mais (designadamente através de mecanismos como o “banco de horas”), reduziu a respectiva remuneração, alargou as possibilidades de contratação precária (com os contratos e termo e sua renovação, e os contratos de muito curta duração por exemplo) e reduziu a duração máxima do período de férias.

Mas, mais do que isso, tratou de aprofundar o processo de destruição da contratação e das relações colectivas de trabalho (dentro da lógica da máxima individualização destas e do reforço do poder estrutural dos patrões, particularmente em termos das funções exigidas ao trabalhador e da fixação do tempo e do local da prestação do trabalho), através da manutenção e aperfeiçoamento do regime (criado em 2003 pelo Código do Trabalho de Bagão Félix) da caducidade da contratação colectiva e da destruição do chamado princípio do favor laboratoris (ou do tratamento mais favorável ao trabalhador), que impedia que a mesma contratação colectiva pudesse conter condições menos favoráveis do que as da lei.

O que faz o Governo de António Costa?

Ora, perante a necessidade de repor esse mesmo princípio e de acabar com a possibilidade de os patrões conseguiram fazer caducar a contratação colectiva de empresas ou de sectores inteiros de actividade, reduzindo tudo a contratos individuais onde obviamente a lei do mais forte mais facilmente se impõe, o que faz o Governo de António Costa? Nada! Mantém tudo aquilo que os Governos do PSD e CDS, primeiro em 2003 e depois em 2012 e 2013, de mais bárbaro e anti-trabalhador levaram a cabo. E o que fazem a esmagadora maioria dos organismos representativos dos trabalhadores? Assobiam para o lado e deixam passar…. E o que dizem e fazem os partidos que se proclamam de esquerda? Rigorosamente o mesmo!…

Vem tudo isto a propósito também do recentemente divulgado relatório da mais que neo-liberal OCDE (“Reformas no mercado laboral em Portugal 2011-2015”). Que desde logo enfaticamente proclama que as medidas da Tróica e as suas “reformas laborais foram na direcção certa”. E procura sustentar semelhante atoarda com base numa completa mentira, que é a de que teria sido a diminuição das indemnizações dos despedimentos e a “suavização” (sic) da definição de justa causa que teria tido por efeito uma alegada diminuição do desemprego, escamoteando deste modo que o astronómico número real de desempregados, designadamente decorrentes de tais medidas, foi escondido através seja da manipulação dos dados estatísticos (ignorando, por exemplo, o número de desempregados  desencorajados que já não se inscrevem nos centros de emprego, ou a dimensão do sub-emprego, ou ainda o número de inactivos ditos ocupados em acções de formação ou programas de inserção), seja da propositada omissão do número de trabalhadores que emigraram (à razão de mais de 110 mil por ano) ou que passaram à inactividade forçada (por reformas ou pré-reformas).

Mantém a caducidade da contratação colectiva

E enquanto, perante o silenciamento cúmplice dos partidos ditos de esquerda e das organizações de trabalhadores, nomeadamente as por aqueles dirigidas, controladas ou influenciadas, o Governo de Costa mantém a caducidade da contratação colectiva, a destruição do princípio do tratamento mais favorável, a diminuição da duração e do valor do subsídio de desemprego, a facilitação e embaratecimento dos despedimentos e da contratação precária, a diminuição das remunerações e dos dias de férias, e os cortes de direitos sociais básicos (como os complementos de reforma) entre 1 de Janeiro de 2014 e 1 de Abril de 2016, a OCDE vem sugerir despedimentos ainda mais fáceis, indemnizações ainda mais baixas, e subsídios de desemprego ainda mais curtos, tudo dentro da velha lógica  de que flexibilizar mais os despedimentos, reduzir a protecção dos trabalhadores permanentes (para os igualar por baixo aos mais precários, em vez do oposto), abaixar as contribuições patronais para a Segurança Social – TSU e diminuir a duração máxima do subsídio de desemprego é que permitiriam aumentar os níveis de emprego e de competitividade da economia portuguesa.

Há, todavia, a este propósito, dois “pequenos” pormenores que convirá recordar: por um lado, não há um único estudo verdadeiramente científico que apoie minimamente os fundamentos e conclusões deste tipo de teorias (ou seja, nunca a facilitação e embaratecimento dos despedimentos e da contratação precária conduziu à criação de mais emprego ou elevou a produtividade dum país); e, por outro lado, sempre ao longo dos tempos os trabalhadores recusaram ser sujeitos meramente passivos do processo histórico e se as organizações que pretendem representá-los verdadeiramente não o fazem, acabam invariavelmente ultrapassadas e afastadas por eles…

Cuidem-se pois todos aqueles que pensam que é por tratarem de se esgueirar entre os pingos da chuva que conseguirão escapar ao julgamento da História!

Nota do Director

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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