Após um período de reflexão na pandemia, com o atraso da Olimpíada, a maior ginasta da atualidade decide não abusar da própria saúde mental, diante da pressão da expectativa depositada sobre sua performance.
Nesta terça-feira (27), ao abandonar a final por equipes da ginástica artística, Simone Biles deixou claro o recado de que nada é mais importante do que sua própria saúde mental, o que deve marcar o esporte. Naomi Osaka também saiu de Roland Garros, em maio, também com o intuito de proteger sua saúde mental. A ideia já passou por várias cabeças desta Olimpíada, como já circulou pelos bastidores.
Simone é uma mulher, jovem, negra, vítima de um terrível caso de abuso sexual, num esporte em que as grandes atletas não passam de crianças. Aos 24 anos, já conquistou 30 medalhas em Mundiais e Jogos Olímpicos e não há, hoje, outra ginasta a sua altura. Também marca sua carreira pelo ativismo antirracista. Biles está a quatro pódios de se tornar a ginasta mais premiada — entre homens e mulheres — da história.
“Eu senti que elas precisavam avançar sem mim e elas fizeram exatamente isso. Foi uma longa jornada olímpica, foi um longo ano. Depois da apresentação que fiz, não queria ir para os outros aparelhos, então quis dar um passo para trás, pensar na minha saúde mental”, disse Biles em uma longa conversa com jornalistas após a prova.
“Sempre que você entra em uma situação de alto estresse, você meio que enlouquece. Tenho que me concentrar na minha saúde mental e não colocar em risco minha saúde e bem-estar. É uma merda quando você está lutando com sua própria cabeça. Você quer fazer isso por si mesmo, mas ainda fica muito preocupada com o que todo mundo vai dizer”, afirmou.
“Eu acho que a saúde mental é mais prevalente nos esportes agora. Temos que proteger nossas mentes e nossos corpos e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos. Tem certos dias em que todo mundo tuíta sobre você e você sente o peso do mundo. Não somos apenas atletas, somos pessoas e às vezes você só tem que dar um passo para trás”, alegou.
Tentando explicar o que sente, mostrou-se desconfortável no papel de si mesma. “Eu simplesmente não confio em mim tanto quanto antes. E não sei se é a idade, mas fico um pouco mais nervosa quando faço ginástica. Sinto que também não estou me divertindo tanto quanto antes.”
“Eu não queria ir lá, fazer algo estúpido e me machucar. Sinto que muitos atletas se manifestando realmente me ajudou. É tão grande, são os Jogos Olímpicos. No fim de tudo, não queremos sair carregados de lá em uma maca.”
Biles disse que, amanhã (28), vai ter um dia de folga e pensar no que fazer nos próximos dias, não garantindo a continuidade na competição pela qual tanto esperou e que tanto esperou por ela. “Vamos passar um dia de cada vez e ver o que acontece”, alegou.
Mas ela tem outras provas para disputar. A principal delas daqui a dois dias, na manhã de quinta-feira (29) no Brasil (7h50), é a final do individual geral, que determina a ginasta mais completa. Biles passou à final em primeiro, com a brasileira Rebeca Andrade na segunda colocação.
Ninguém à altura
Biles nasceu em 1997 no Estado americano de Ohio, foi adotada quando tinha 5 anos pelos avós e aos 6 anos já se destacava na ginástica. A atleta nasceu em Columbus, no Estado de Ohio, e sua mãe biológica, Shanon, era dependente de álcool e drogas e não tinha condições de criar Biles e seus três irmãos, que chegaram a passar fome.
Logo após os jogos no Brasil, começaram a se tornar públicas as acusações de abuso sexual contra o ex-médico da seleção feminina de ginástica dos Estados Unidos, Larry Nassar. Em janeiro de 2018, Biles revelou no Twitter que ela também estava entre as centenas de mulheres e meninas abusadas pelo médico. Nassar foi sentenciado a penas que somam mais de 300 anos de prisão.
As críticas de Biles à Federação de Ginástica dos Estados Unidos (USA Gymnastics) pelas falhas que permitiram que um predador como Nassar atuasse impunemente por tanto tempo tiveram um enorme impacto e levaram a renúncias no comando da organização.
Com 1,2 milhão de seguidores no Twitter, ela se firmou como voz importante não apenas no movimento #MeToo, contra assédio e agressão sexual, mas também em outras causas, como o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).
Não há ninguém à altura de Biles na ginástica da atualidade. A combinação de precisão técnica e de atributos físicos, além do alto grau de dificuldade dos seus movimentos, fazem com que a atleta consiga executar com perfeição manobras tão complexas que outras ginastas nem sequer arriscam.
As expectativas para esta Olimpíada eram enormes. Espera-se que ela repita um salto inédito que até os jurados evitam dar nota alta para não estimular outras ginastas a arriscarem. Em maio deste ano, Biles entrou para a história como a primeira mulher a completar o salto Yurchenko Double Pike (Yurchenko com duplo mortal carpado) em uma competição.
Essa manobra envolve um salto apoiando-se sobre as mãos, de costas, no cavalo, e impulsionando o corpo a uma altitude suficiente para completar dois giros com o corpo dobrado e as pernas esticadas, e é tão difícil e perigosa que nunca havia sido tentada por outra ginasta em uma competição.
Tóquio é a segunda Olimpíada de sua carreira, e talvez seja a última. Em entrevistas recentes, a atleta revelou que, com a idade e os anos de esforço intenso, seu corpo sente dor, e que sabe que não poderá seguir competindo para sempre.
Quando voltar de Tóquio, ela não pretende participar do circuito de eventos comemorativos promovido pela USA Gymnastics e planeja embarcar em uma turnê própria por 35 cidades, em celebração a atletas femininas.
por Cezar Xavier | Texto em português do Brasil
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