Pandemia de Covid-19 e Black Lives Matter impulsionam a sindicalização.
O movimento sindical se fortaleceu nos Estados Unidos em 2021, no primeiro ano da gestão Joe Biden. A procura pela sindicalização, após décadas de perda de poder e influência, já vinha ganhando corpo nos últimos anos – e a pandemia de Covid-19 intensificou esse movimento.
Mesmo quando os trabalhadores de uma empresa não conseguem criar um sindicato, como ocorreu com a Amazon, as tentativas acabam por estimular outras ações. Segundo levantamento da Universidade de Cornell, até 15 de dezembro ocorreram 250 greves nos EUA. Só em outubro, foram 41 paralisações.
Mas qual será, afinal, razão por trás do fenômeno?
Funcionários da Amazon no Alabama, baristas do Starbucks em Nova York, trabalhadores da produtora de cereais Kellogg em Michigan e da fabricante de tratores John Deere, em Iowa. Apesar de ocupações e empresas diferentes, eles têm um ponto em comum: estão insatisfeitos com suas atuais condições de trabalho. Nos casos de Amazon e Starbucks, ainda há a busca pela sindicalização.
As mudanças trazidas pela pandemia – entre elas, uma nova forma de se relacionar com o trabalho – e o crescimento do envolvimento político entre os jovens nos últimos anos ajudam a explicar esse crescente o interesse dos norte-americanos pela sindicalização. A opinião é de Stephanie Luce, professora da Escola de Trabalho da Universidade da Cidade de Nova York (Cuny).
“Os trabalhadores foram forçados a trabalhar em condições perigosas em muitos lugares. Eles se viam assumindo grandes riscos apenas para receber um salário, enquanto a gerência ficava em casa em segurança e as empresas obtinham lucros enormes”, afirma Stephanie. “Isso aumentou a insatisfação.”
Sob a pandemia, a porcentagem de trabalhadores americanos sindicalizados teve um leve aumento. Passou de 10,3%, em 2019, dos assalariados para 10,8% – ou 14,3 milhões de pessoas, segundo o Departamento do Trabalho. Apesar de pequeno, foi o maior aumento anual em quase quatro décadas.
Para Todd Vachon, professor de educação para o trabalho da Universidade Rutgers, a pandemia inspirou uma onda de organização, principalmente entre os chamados trabalhadores essenciais. Muitos deles começaram a organizar ações coletivas para pressionar os patrões a tornarem os locais de trabalho mais seguros. Com isso surgiram outras demandas, incluindo a sindicalização.
“Esforços coletivos espontâneos e bem-sucedidos para melhorar as medidas de segurança no local de trabalho inspiraram muitos trabalhadores a ver a ação coletiva como um meio de lidar com queixas de todos os tipos. Alguns deram o próximo passo para formar sindicatos”, destaca Vachon. Além de salários maiores, as demandas costumam incluir horários regulares, regulamentação de horas extras e promoções, treinamento e acesso a benefícios nas áreas de saúde e educação.
Nos EUA, um sindicato é formado por empresa, e não por categoria, como no Brasil. E há regras diferentes entre os trabalhadores do setor público e do privado. A CTB defende o modelo brasileiro, conhecido como unicidade sindical. Países com sistemas mais centralizados tendem a ter maiores salários e benefícios para os trabalhadores.
“Quando a negociação acontece num nível superior, os resultados beneficiam um número maior de trabalhadores, e há potencial para uma greve maior ou ação coletiva para fazer demandas”, lembra Vachon. Stephanie, da Cuny, acrescenta que a pandemia chamou a atenção da população para as questões trabalhistas, o que garantiu maior apoio público para aqueles que entravam em greve.
Segundo a pesquisa anual “Trabalho e Educação”, realizada pela Gallup, o percentual dos americanos que aprovavam os sindicatos chegou a 68% em 2021. É a maior taxa desde 1965. O próprio presidente Joe Biden sinalizou apoio a campanhas de trabalhadores, como os da Amazon, que tentaram formar, sem sucesso, o primeiro sindicato da empresa em Bessemer, no estado do Alabama, em abril de 2021.
“A aprovação pública aumentou. No entanto, a situação objetiva permanece inalterada, pois a sindicalização é extremamente difícil”, pondera a socióloga do Trabalho Ruth Milkman, do Centro de Pós-Graduação da Cuny. “Há uma lacuna, ampliada pela pandemia, entre as aspirações dos trabalhadores e as reais possibilidades disponíveis para eles.”
O movimento de greves e tentativas de sindicalização ainda tem relação com outro fenômeno recente do mercado de trabalho americano, a chamada “Grande Renúncia”. Com a retomada das atividades decorrente da vacinação, muitos americanos deixaram voluntariamente seus empregos, fosse por medo de contrair Covid, por insatisfação com as condições de trabalho e até por uma nova percepção sobre o trabalho e a vida.
Conforme o Escritório de Estatísticas do Trabalho dos EUA, havia 11,033 milhões de vagas ociosas em outubro, último dado divulgado. Com menos mão de obra disponível, os trabalhadores ganharam mais poder para barganhar com os patrões. E os que já são sindicalizados têm mais força para fazer greve caso suas demandas não sejam atendidas.
Um dos casos que chamaram atenção nas últimas semanas foi a campanha para sindicalização de três lojas da rede de cafeterias Starbucks no estado de Nova York. Na unidade de Elmwood Avenue, na cidade de Buffalo, a sindicalização já foi aprovada. Foi a primeira a conseguir formar um sindicato entre as lojas próprias da rede desde a década de 1980. Em outra loja, a iniciativa foi negada.
O movimento envolveu a participação de muitos jovens, como a barista Casey Moore, de 25 anos. Ela trabalha na rede há pouco mais de seis meses, mas participa do Starbucks Workers United (Trabalhadores do Starbucks Unidos), organização que ajudou na campanha de sindicalização em Buffalo. Além de melhores salários, eles reivindicam mais treinamento e a contratação de mais funcionários.
“Ouvi falar da campanha pela primeira vez por um colega de trabalho que perguntou se eu achava que se sindicalizar na Starbucks seria uma boa ideia. Embora eu não tivesse qualquer experiência com sindicatos, meu pai é do sindicato de professores, e eu tinha uma visão positiva sobre eles”, conta Casey.
Cada loja é uma unidade de negociação, explica a barista, e deve decidir por si mesma se deseja se sindicalizar, o que envolve muita burocracia. “A próxima etapa é levar a Starbucks à mesa de negociação. Com um mercado de trabalho apertado, finalmente temos algum poder, e os trabalhadores estão exigindo um lugar à mesa.”
Assim como Casey, muitos jovens têm participado ativamente da luta sindical. Segundo a pesquisa da Gallup, a aprovação é alta entre jovens adultos de 18 a 34 anos, com 77%, e aqueles com renda familiar anual abaixo de US$ 40 mil, com 72%. Para Stephanie, da Cuny, a participação de membros da Geração Z (pessoas nascidas entre 1995 e 2010) em movimentos como o Black Lives Matter contribuiu para que eles apoiassem as campanhas de sindicalização: “Parece que os jovens estão recorrendo aos sindicatos como uma forma positiva de melhorar suas próprias condições de trabalho.”
Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado