O SNS em crise grave não responde às necessidades dos portugueses e os 1100 milhões €, agora anunciados para capital, são afinal para pagar dividas do SNS
Neste estudo analiso a crise do SNS, sem meios para poder funcionar, o que o tem obrigado a se endividar enormemente aos fornecedores privados o que determina custos acrescidos (tem de pagar mais caro o que precisa) criando um ambiente de desmotivação, de cansaço, de revolta dos seus profissionais, e também de desresponsabilização com consequências dramáticas para os portugueses cuja mortalidade tem aumentado e a esperança de vida diminuído. E mostro também, utilizando dados do Ministério das Finanças, que a promessa do governo feita durante o debate do OE-2021 de reforçar o SNS com 745 milhões € foi uma grande mentira. Os 1100 milhões € anunciados recentemente pelo governo para o SNS não são para melhorar o seu funcionamento mas apenas pagar uma parte da sua enorme divida.
Estudo
O SNS em crise grave não responde às necessidades dos portugueses e os 1100 milhões €, agora anunciados para capital, são afinal para pagar dividas do SNS
A demissão de direções clínicas e de médicos em vários hospitais importantes do SNS por falta de condições de trabalho (diretor clinico e de 84 médicos no Centro Hospitalar de Setúbal, de 10 chefias da equipa de cirurgia do Hospital de Santa Maria, da demissão dos médicos responsáveis pela Urgência Metropolitana de Psiquiatria do Porto, UMPP, etc.), noticiados pelo órgãos de comunicação social, devia servir de alerta para que o governo tomasse medidas imediatas reais para reforçar de uma forma efetiva o SNS, combatendo a falta crescente de meios para responder não só à pandemia mas também em relação às doenças não-Covid.
Mas o que infelizmente se tem assistido é desvalorização dos problemas existentes, como fez a ministra da Saúde, ao considerar como um problema de falta de resiliência dos profissionais de saúde, ou como sistematicamente têm feito as ARS, com declarações de que o problema está a ser ou vai ser resolvido, mas depois tudo continua a mesma. Neste estudo, utilizando dados oficiais, vamos mostrar que os problemas que enfrenta o SNS são reais e enormes, e têm-se agravado perante a passividade e incapacidade do governo.
O nº de consultas mensais nos centros de saúde diminuiu mais de um milhão, metade não são presenciais, e 51% das urgências nos hospitais são dos centros de saúde se estes funcionassem
Os dados do quadro 1, do Portal transparência do SNS, são indicadores importantes e elucidativos do que está a suceder em áreas importantes do SNS com consequências para a saúde dos portugueses.
Quadro 1 – Portugueses com médicos e sem médicos de família, consultas por presenciais e não presenciais, e urgências hospitalares por gravidade de risco de vida em 2019 e em 2021
Nos Centro de Saúde, se se comparar nov.2019 (ano anterior à pandemia) com nov.2021, o número de utentes com médico família diminuiu em 232.776, e o número dos utentes sem médico de família aumentou de 689.942 para 1.081.136, portanto uma subida impressionante de 56,3%.
Nos Centro de Saúde, se se comparar o mês de dez.2019 (último mês do ano anterior à pandemia) com out.2021, conclui-se que as consultas presenciais diminuíram em 169.252 (-11,2%), enquanto as consultas não presencias, por telefone de muito menor qualidade, aumentaram em 807.128, portanto (+119,1%). É cada vez mais difícil para os portugueses marcar uma consulta presencial nos centros de saúde (leva-se meses para o conseguir) porque os médicos de família foram mobilizados pelas chefias do SNS, naturalmente por decisão do governo, para fazer o acompanhamento, por telefone, dos infetados pelo COVID, embora isso esteja a destruir a rede de cuidados primários, e a atrasar o diagnóstico de doenças fatais o que aumenta a mortalidade de doenças não COVD.19.
Os dados do quadro 1 também revelam, comparando out.2019 com out.2021, que o número de urgências nos hospitais diminuiu significativamente (-1.569.522) e que o número de situações que podiam ser resolvidas nos Centros de Saúde, se estes funcionassem plenamente, é mais de metade.
O investimento no SNS em 2021 é ainda inferior ao de 2020, o orçamento aprovado para este ano é já claramente insuficiente, o que revela que o subfinanciamento do SNS continua
A Direção Geral do Orçamento (DGO) do Ministério das Finanças divulgou recentemente a execução do Orçamento do Estado referente ao período janeiro/outubro 2021. Nessa informação, relativamente ao SNS, consta o quadro 2 que transcrevemos seguidamente com as rúbricas principais.
Quadro 2 – Execução financeira consolidada do SNS – segundo a DGO do Ministério das Finanças
Segundo o orçamento do SNS aprovado pelo governo, a receita total efetiva do SNS aumenta, entre 2020 e 2021, apenas 353 milhões €, pois passa de 11.162 milhões € para 11.515 milhões €, valor muito inferior ao 745 milhões € anunciados pelo governo aquando do debate do OE-2021, enquanto a despesa realizada total já aumentou 741 milhões € só no período de jan./out de 2021, (entre 2020 e 2021, passou de 9.112 milhões € para 9.853 milhões €). No fim de out.2021, o saldo negativo do SNS já era de -389 milhões € (em 2020: -43 milhões €).
Outro aspeto fortemente negativo, até tendo em conta a falta de condições de trabalho no SNS, onde falta tudo desde equipamentos (os que existem, na sua maioria, já estão degradados ou obsoletos), instalações, etc. é o baixo nível de realização de investimento insuficiente previsto para 2021. Para 2021, estão previstos 273 milhões € de investimentos no SNS, mas até out.2021 só tinham sido realizados 161 milhões € (58,7%), portanto um valor inferior em cerca de 30% ao realizado em 2020 no mesmo período, que prova que a falta de instalações e de equipamentos no SNS, que já é enorme, vai-se agravar ainda mais.
Os dados da DGO do quadro 2 mostram que os valores orçamentados para o SNS em 2021, são insuficientes, o que revela que a suborçamentação e o subfinanciamento crónico do SNS continuam com consequências gravíssimas, pois desorganiza e desresponsabiliza a atividade do SNS, e determina custos acrescidos para o SNS.
A mentira do reforço de 745milhões € para o SNS no OE-2021, o aumento enorme da divida do SNS a fornecedores e os 1100 milhões € para capital que afinal são para pagar divida
Durante o debate do Orçamento do Estado para 2021, um dos temas de propaganda mais repetido pelo governo e pelo PS foi de que, em 2021, “O Governo vai reforçar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) com mais 745 milhões de euros, tendo em vista a redução da dívida e o aumento da capacidade de resposta e de produção do SNS”, que depois se transformou numa grande mentira pois o aumento foi apenas metade com provam os dados da DGO do quadro 2. Como consequência, para funcionar, o SNS teve-se de endividar enormemente como mostra quadro 3.
Quadro 3 – Divida a fornecedores externos em dez.2020 e em out. 2021 – Fonte: Portal transparência SNS
Em 10 meses apenas (dez.2020/out.2021), a divida total do SNS a fornecedores externos aumentou em 452,6 milhões €, ou seja, em 29,9%. Mas, no mesmo período, a divida vencida (mais de 90 dias) cresceu em 89,3% (+553,2 milhões €) e os pagamentos em atraso, tendo em conta o prazo estabelecido, aumentaram em 271,1% (+408,4 milhões €). A situação financeira do SNS é dramática, impedindo o seu funcionamento normal, assim como é um obstáculo a melhores condições de trabalho de que se queixam e denunciam, com razão, os profissionais de saúde. O compromisso do governo em reforçar o SNS foi, mais uma vez, uma grande mentira com que se procura enganar e manipular a opinião publica. Foi uma das razões mais importantes do chumbo da proposta de OE-2022, como já afirmaram os partidos de esquerda.
Perante o agravamento da crise financeira do SNS, que o impede de dar uma resposta minimamente satisfatória aos doentes COVID e aos doentes não-COVID o governo anunciou (noticiado pelos media) que vai aumentar o capital dos Hospitais do SNS em 1100 milhões € (Costa já falou depois em 750M€, os da propaganda) que, de acordo com as normas, deviam ser para investimento. No entanto, isso não acontecerá porque esses fundos, segundo orientações do governo, serão utilizados para amortizar a divida, e os equipamentos continuarão a se degradarem e a serem cada vez mais insuficientes e as condições de trabalho continuarão inaceitáveis e o SNS sem meios. Mas registando em Capital, não conta para o défice orçamental. É desta forma que se destrói o SNS não assegurando meios mínimos que este necessita para funcionar, e se promove o negócio privado de saúde em Portugal.