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Terça-feira, Julho 16, 2024

SNS visto à lupa… em números

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

A situação já difícil antes da pandemia, e a necessidade de investir muito mais no SNS para o país dispor de um SNS que lhe permita enfrentar com menores custos de vidas, económicos e sociais pandemias como a covid-19

Neste estudo analiso, utilizando apenas dados oficiais, a situação do SNS antes da pandemia, em numero de camas existentes nos hospitais públicos e em Unidades de Cuidados Intensivos, em número de profissionais de saúde comparando com a media nos países da União Europeia, assim como o subfinanciamento crónico e o desinvestimento a que tem estado sujeito o SNS ao longo dos últimos anos pelos sucessivos governos, o que tem causado a sua degradação.

E isto explica também as grandes dificuldades atuais que enfrenta o SNS por falta de meios para reduzir os efeitos dramáticos da crise de saúde pública em vidas humanas e também para evitar a destruição da economia e da sociedade portuguesa como está a suceder (perda de empregos e de rendimentos, fecho de centenas e centenas de empresas, quebras significativas da atividade produtiva, desorganização dos serviços públicos e privados, etc.), o que colocou Portugal no patamar dramático de ser um dos países com mais mortes e mais infetados por 100.000 habitantes.

E faço-o porque é importante lembrar isso mesmo neste momento, para que, depois da pandemia, tudo não continue na mesma, como o SNS estivesse bem o que não era verdade. Isso é  o que acontece na maior parte das vezes, passa a crise e esquece-se e nada se faz. É absolutamente necessário investir muito mais no SNS acabando com o subfinanciamento e o desinvestimento que continua mesmo em pleno período de pandemia como também mostro.

 


Estudo

A situação já difícil antes da pandemia, e a necessidade de investir muito mais no SNS para o país dispor de um serviço que lhe permita enfrentar com menores custos de vidas, económicos e sociais pandemias como a covid-19

Contrariamente aquilo que se pretende fazer crer, a enorme gravidade das consequências do COVID-19 não resulta apenas das características desta pandemia, nem é culpa apenas do atual governo. É também uma consequência da degradação a que tinha sido sujeito o SNS pelos sucessivos governos que o deixou extremamente fragilizado e incapaz de conter/reduzir os efeitos a nível de saúde de uma pandemia desta natureza e com esta dimensão.

Como iremos mostrar, utilizando dados oficias, a razão de Portugal estar nos primeiros lugares de infetados e de mortes por 1.000.000 de habitantes resulta também da falta de meios que enfrentava o SNS já antes da pandemia (certamente todos ainda se lembram de camas com doentes espalhadas por corredores dos hospitais  por não haver lugares apropriados para os colocar). E é importante lembrar isso, para que, depois da pandemia, tudo não continue na mesma, como o SNS estivesse bem o que não era verdade.

 

O número de camas nos hospitais públicos era muito inferior à dos países da U. E. e tinham sido reduzidas, e o número de camas de cuidados intensivos era diminuto

O gráfico 1, retirado da publicação da OCDE “Health at a Glance: Europe 2020”, contém dados sobre o número de camas em hospitais por 1000 habitantes em Portugal e nos países da U.E. em 2018.

 

Gráfico 1 – Número de camas em hospitais por 1000 habitantes – 2000 e 2018 Dados da OCDE

Em 2018, a Alemanha tinha 8 camas nos hospitais por 1000 habitantes; a média na União Europeia era 5 camas por 1000 habitantes e, em Portugal, existiam apenas 3,5 camas por 1000 habitantes, ou seja, menos de metade que na Alemanha (-0,56%) e menos -30% por 1000 habitantes que a média na União Europeia.

No entanto, a situação do SNS era muito mais grave porque nos números  anteriores estão incluías as camas existentes nos hospitais privados como mostra o gráfico 2 (dados do INE).

 

Gráfico 2 – Número de camas em hospitais públicos (azul) e nos Hospitais privados (vermelho) em Portugal – 2018 Dados do INE

Entre 2008 e 2018, em Portugal o número de camas em hospitais públicos diminuiu de 26.368 para 24.111 (-2.257), enquanto nos hospitais privados aumentou de 9.435 para 11.318 (+1.883). Se dividirmos o número de camas existentes nos hospitais públicos em 2018 -24.111- pelo número de habitantes – 10.296.0000 – obtém-se 2,34 camas por 1000 habitantes, um número manifestamente insuficiente quando comparado com outros países da União Europeia.

A situação em Portugal a nível de cuidados intensivos era também muito grave quando comparada com a de outros países da União Europeia, o que explica também as dificuldades atuais. O gráfico 3, retirado da mesma publicação da OCDE mostra a situação nos outros países da U.E.

 

Gráfico 3 – Número de camas em UCI (Unidades Cuidados Intensivos) por 100.000 habitantes em países da União Europeia antes da crise do COVID-19 Dados da OCDE

Em 2017/2020, a Alemanha dispunha de 33,9 camas em Unidades de Cuidados Intensivos por 100.000 habitantes, e a média nos países da União Europeia (14) era de 12,9 camas em UCI por 100.000 habitantes. Portugal não aparece no gráfico anterior, mas existem dados divulgados pelo INE (quadro 1) que permitem fazer a comparação.

 

Quadro 1 – Número de camas em Unidades de Cuidados Intensivos por 100.000 habitantes em Portugal-2018

Em 2018, segundo o INE, em Portugal o número de camas em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) por 100.000 era 11,5, mas incluía hospitais privados e públicos, o que correspondia a 1/3 do verificado na Alemanha, e inferior à média dos países da União Europeia. No entanto, se limitarmos a análise aos hospitais do SNS, o número já desce para apenas 9,5 camas em UCI por 100.000 habitantes. Não é de estranhar que a Alemanha esteja a conter/reduzir muito mais os efeitos dramáticos em vidas do COVID-19 do que Portugal.

 

A falta de profissionais de saúde, mal remunerados e sem carreiras dignas

A variação do número de profissionais de saúde no SNS segundo dados do Ministério da Saúde.

 

Quadro 1 – Profissionais de saúde no SNS: até 2015 da DGAEP, 2015/2020 do Ministério Saúde

O aumento do número de profissionais de saúde para responder à crise de saúde pública foi manifestamente insuficiente. Entre 2019 e set.2020, segundo dados do Ministério da Saúde, registou-se a seguinte variação:

  • médicos: +548;
  • enfermeiros: +1727;
  • auxiliares de saúde: + 1929;
  • técnicos de disgnóstico e terapêutica: + 501;
  • etc…

O número de médicos por 1000 habitantes e o número de enfermeiros por 1000 habitantes no SNS é manifestamente insuficiente, como é insuficiente o número de enfermeiros por médico e número de auxiliares de saúde por enfermeiro.

O gráfico 4 mostra as diferenças entre a situação que se verifica entre Portugal e em outros países da U.E.

 

Gráfico 4 – Número de enfermeiros por médico em Portugal e na U.E. – 2018 Dados da OCDE

Em 2018, o número de enfermeiros por médico era, em Portugal, apenas 1,3 enquanto a média nos países da União Europeia era 2,3, ou seja, +76,9%. É difícil funcionar com estas condições e, mais, numa situação pandémica como a atual sem causar a exaustão dos profissionais de saúde. E isto é apenas um exemplo, mas que contribui também para  explicar, das consequências diferentes da pandemia nos diferentes países da U. E.

 

O mito dos hospitais privados que funcionam à custa dos profissionais do SNS

Conheço bem a forma como os hospitais privados estão organizados, incluindo os dos grandes grupos privados de saúde (LUZ, CUF, LUSÍADAS; TROFA; GPA). Eles funcionam fundamentalmente à custa dos profissionais do SNS. Como revelam os dados dos quadros 2 e 3, que são do INE, a percentagem de médicos e enfermeiros a trabalhar em exclusividade nos hospitais privados é muito baixa.

 

Quadro 2 – Número de médicos em hospitais públicos e em hospitais privados Dados do INE

Quadro 3 – Número de enfermeiros em hospitais públicos e em hospitais privados Dados do INE

Segundo o INE, apenas entre 15,4% e 17% dos médicos a trabalhar em hospitais em Portugal, trabalham em exclusividade em hospitais privados. O mesmo sucede com enfermeiros em que a percentagem é ainda mais baixa (entre 8,8% e 11,9%). Quem conheça o modo de funcionamento dos hospitais privados em Portugal, sabe bem que apenas entre 5% e 20% dos médicos que trabalham neles, é que pertencem ao corpo clínico do hospital ou do grupo; os restantes 80% ou mais são médicos do SNS a quem pagam uma determinada percentagem do preço por cada consulta ou operação que realizam.

Em relação aos enfermeiros o pagamento é por hora (cerca de 15€/hora). São todos  meros tarefeiros pagos a “recibo verde”. É desta forma também que o SNS financia e promove o negócio privado da saúde em Portugal, ou seja, fornecendo trabalhadores altamente qualificados a preço barato aos hospitais privados pois os custos sociais são suportados pelo SNS.

Quando se fala que o setor privado de saúde pode ajudar muito no combate à pandemia, é preciso não esquecer que a esmagadora maioria dos profissionais que fazem funcionar os hospitais privados são médicos e enfermeiros do SNS cujo tempo de trabalho não é elástico.

 

Baixas remunerações dos profissionais de saúde incentivam o trabalho no setor privado

 

Quadro 4 – Remunerações base de alguns profissionais de saúde no SNS – 2010/2020 DGAEP

Entre 2010 e 2020, a Remuneração base média nominal (antes de descontos, do IRS e de se deduzir o efeito corrosivo da inflação) dos médicos não aumentou (foi 0%) e as dos restantes profissionais de saúde a subida verificada não foi nem suficiente para compensar o aumento dos descontos e do IRS  assim como efeito do aumento dos preços (só o IPC subiu10%, e há o IRS).

Por isso, a remuneração base líquida real de 2020, ou seja, o seu poder de compra, é inferior à de 2010 (médicos: -17,7%; enfermeiros: -9,3%; técnico diagnóstico: -11,6%).

É precisamente a redução significativa do poder de compra da remuneração base líquida mensal destes profissionais de saúde que os tem levado (é uma das razões, embora não seja a única) a “venderem” a sua força de trabalho a um preço barato aos privados. Este facto tem consequências dramáticas para o SNS em termos de qualidade e quantidades de cuidados de saúde prestados à população; para os profissionais de saúde com cargas de horas que causa a sua exaustão, o que reduz a produtividade no SNS, mas que tem contribuído para a explosão do negócio de saúde privado em Portugal.

Infelizmente nem o governo resolve esta grave situação (o regime de exclusividade foi eliminado já há anos, e nenhum médico, mesmo que o queira, o pode ter) que está a destruir o SNS e promover o setor privado da saúde no nosso país, nem os partidos políticos se empenham verdadeiramente em resolver este grave problema que está a afetar o SNS, pois apesar de multiplicarem as declarações em defesa do SNS, o seu efeito prático tem sido nulo ou quase nulo.

 

Subfinanciamento crónico e falta de investimento no SNS que é urgente pôr cobro para o país poder ter um SNS preparado para enfrentar crises como a do covid-19

O subfinanciamento crónico do SNS pelo O.E. e o desinvestimento no SNS estão a pôr em risco não só o próprio SNS, mas a própria sobrevivência do país como mostra a crise atual causada pelo COVID-19. E isto porque o SNS, devido à falta de meios e apesar do esforço e empenhamento dos seus profissionais que tem levado muitos deles à exaustão, não está a conseguir conter os efeitos da grave crise de saúde publica causada pela pandemia, que está a destruir vidas e o país (economia, produção, emprego, salários, rendimentos, etc.).

O gráfico 5, com dados do Ministério da Saúde, revela bem a situação dramática que tem enfrentado o SNS nos últimos anos devido à insuficiência de financiamento do O.E., pondo em risco mesmo o seu funcionamento normal e contribuído para a sua degradação.

 

Gráfico 5 – Despesa total do SNS (azul) e transferências anuais do O. E. (vermelho) para o SNS – Milhões € Ministério da Saúde

No período 2015/2021 (o mesmo aconteceu no período 2011/2015), as transferências do Orçamento do Estado para o SNS, em todos os anos, têm sido muito inferiores à despesa total do SNS.

Em 2015/2021, a despesa total do SNS soma 71.617 milhões €, e as transferências do Orçamento do Estado para o SMS somam apenas 63.666 milhões €, ou seja, menos 7.915 milhões €. Em 2019, até novembro, o saldo negativo atingiu 654 milhões € segundo o Ministério das Finanças.

E em 2020, o SNS apresentou também um saldo negativo de 218 milhões €.

Com estas condições, como é que o SNS tem conseguido funcionar e sobreviver? Através de um enorme endividamento aos fornecedores e por meio de transferências extraordinárias do governo quando a situação se torna insustentável e da utilização do próprio capital social para pagar despesas de consumo, quando este devia ser utilizado em investimento. Em out.2020, a divida total do SNS a fornecedores atingia já 1.618 milhões € (dados do Portal da Transparência do SNS).

O investimento no SNS tem sido manifestamente insuficiente. Serve de ex. o OE- 2021. O investimento total para construir os Hospitais Lisboa Oriental, Seixal, Sintra e o do Alentejo é de 792 milhões €, mas o valor inscrito no Orçamento de 2021 é apenas 51 milhões €, ou seja, 1/15 do necessário. É desta forma que os investimentos necessários são continuamente adiados e assiste-se a uma degradação crescente do SNS, devido à falta de meios, e à sua incapacidade para fornecer os serviços de saúde que a população necessita e para enfrentar pandemias como a atual. É preciso que isto mude e rapidamente.



 


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