Para encerrar o Mês da Consciência Negra, nesta semana a seleção conta com quatro canções. “Dia de Graça”, de Candeia (1935-1978); “Mascarada”, de Elton Medeiros (1930-2019) e Zé Keti (1921-1999); “Só Mais Um Dia”, de Flávio Renegado e Markeli K e “Deixa o Menino Jogar”, de Alexandre Carlo (Natiruts).
Nas quatro canções a presença do tema trabalho é cantado com a esperança de superação das injustiças e desigualdades. Tudo o que está faltando no Brasil presidido por Jair Bolsonaro e seus fantasmas autoritários.
Antônio Candeia Filho
Antônio Candeia Filho nasceu no ambiente da música no Rio de Janeiro. Seu pai era sambista, considerado o idealizador das Comissões de Frente das escolas de samba. Pequeno já participava das rodas de samba em sua casa com Paulo da Portela, João da Gente, Dino do Violão, Claudionor Cruz, Cumpadi Cambé, entre outros.
Em 1953, Candeia compôs seu primeiro samba-enredo para a Portela “Seis Datas Magnas”, em parceria com Altair Marinho. Nos anos 1960 ingressou na Polícia Civil e ao se envolver em um acidente de trânsito, em 1965, levou tiros e virou cadeirante. Morreu em 1978 por problemas nos rins. Transformou-se num dos grandes sambistas brasileiros.
Na canção “Dia de Graça” usa o tema recorrente na música popular brasileira o carnaval com tema de contraponto ao trabalho alienado e explorador.
“Damos o nosso coração, alegria e amor a todos sem distinção de cor
Mas depois da ilusão, coitado
Negro volta ao humilde barracão
Negro acorda é hora de acordar
Não negue a raça
Torne toda manhã dia de graça”.
Dia de Graça
Hoje é manhã de carnaval (ao esplendor)
As escolas vão desfilar (garbosamente)
Aquela gente de cor com a imponência de um rei, vai pisar na passarela (salve a Portela)
Vamos esquecer os desenganos (que passamos)
Viver alegria que sonhamos (durante o ano)
Damos o nosso coração, alegria e amor a todos sem distinção de cor
Mas depois da ilusão, coitado
Negro volta ao humilde barracão
Negro acorda é hora de acordar
Não negue a raça
Torne toda manhã dia de graça
Negro não se humilhe nem humilhe a ninguém
Todas as raças já foram escravas também
E deixa de ser rei só na folia e faça da sua Maria uma rainha todos os dias
E cante o samba na universidade
E verás que seu filho será príncipe de verdade
Aí então jamais tu voltarás ao barracão
Elton Medeiros e Zé Keti
Outro grande nome da música popular brasileira é Zé Keti (José Flores de Jesus), que também nasceu no meio musical e ganhou destaque ao trazer a voz dos morros cariocas para o asfalto e cantar a negritude como solução para superar as desigualdades e o preconceito. Em defesa da liberdade. Em 1964 integrou o show “Opinião” com Nara Leão e João do Vale, um marco na resistência cultural à ditadura (1964-1985).
Seu parceiro Elton Medeiros é outro grande nome do samba. Medeiros, que faleceu recentemente, foi um brilhante melodista e ritmista. Além de compositor e cantor, também foi produtor musical e radialista.
Em “Mascarada”, os sambistas cantam a utopia a ser conquistada para a construção de um mundo mais justo e igual, no tema do carnaval como símbolo da igualdade.
“Na esperança de que
Tirasses essa máscara
Que sempre me fez mal
Mal que findou só
Depois do carnaval”.
Mas apesar de o carnaval acabar na Quarta-feira de Cinzas, a esperança fica.
Mascarada
Vejo agora esse teu lindo olhar
Olhar que eu sonhei
E sonhei conquistar
E que num dia afinal conquistei, enfimFindou-se o carnaval
E só nos carnavais
Encontrava-me sem
Encontrar este teu lindo olhar, porqueO poeta era eu
Cujas rimas eram compostas
Na esperança de que
Tirasses essa máscara
Que sempre me fez mal
Mal que findou só
Depois do carnavalDos Carnavais
Flávio Renegado e Makely K
Flávio Renegado é um rapper mineiro e, como bom rapper, se destaca com poesias com críticas ácidas ao sistema capitalista. Como cantor e compositor, o artista canta as dores e os amores da favela contra a alienação, o preconceito e a violência.
Tem como tema o amor como resistência à opressão.
“Pra que tanto rancor, dentro do peito
Se temos a mesma cor, viemos do mesmo gueto
Fúrias e glórias marcam nossas vidas
O futuro a quem pertence?
Amanhã só mais um dia”.
Só Mais Um Dia
Pra que tanto rancor, dentro do peito
Se temos a mesma cor, viemos do mesmo gueto
Fúrias e glórias marcam nossas vidas
O futuro a quem pertence? Amanhã só mais um dia
Diz que é da paz, mas o espírito está em guerra
Nas redes sociais em capslock você berra
Não se volta atrás quando a vida ferra
Tem que ser sagaz aonde o mundo erra
Quanto tempo é capaz de andar sobre essa terra
Deus ou satanás, pra quem que você reza
Descontrole fulminante explode sua ira
Em segundos tudo muda e amanhã
Só mais um dia
Chegou atrasado perdeu a razão
O metrô tá lotado e imagina o buzão
Na pista parado reflexão
O salário de merda não vale a tensão
Entre a vida e a morte apita a sirene
Bala perdida bandido ou pm
Risco ou corte porque você geme
Fraco ou forte, f ou m
É mais um dia
Só mais um dia…
Só mais um dia
Só mais um dia
Toca o terror só pra esconder seu medo
Trauma, desamor, inveja ou despeito
E se desespera quando a barra pesa
O papo atravessa, trava e desconversa
A fobia da vida te afunda na lama
Quem te avisa conhece a trama
Corta esse papo, eu sei que é drama
Esse lema manjado já não me engana
Só é bicho solto com o ferro na mão
Não se garante, é um fanfarrão
Já tá sacada a vacilação
Quando ouve o pipoco se joga no chão
É mais um dia
Só mais um dia…
Só mais um dia
Só mais um dia
Alexandre Carlo (Natiruts)
A banda de reggae Natiruts encanta ao seguir a trilha de Bob Marley, maior nome do gênero musical jamaicano. Formada em 1996, em Brasília, o Natiruts mistura o reggae com ritmos brasileiros, criando um som singular.
Em “Deixa o Menino Jogar” canta o amor como um ato revolucionário.
“O valor de um amor não se pode comprar
Onde estará a fonte que esconde a vida
Raio de sol nascente brotando a semente”.
Deixa o Menino Jogar
O valor de um amor não se pode comprar
Onde estará a fonte que esconde a vida
Raio de sol nascente brotando a sementeOs anos passam sem parar
E não vemos uma solução
Só vemos promessas de um futuro
Que não passa de ilusão
E a esperança do povo
Vem da humildade de seus corações
Que jogam suas vidas, seu destino
Nas garras de famintos leõesDeixa o menino jogar ô iaiá
Deixa o menino jogar ô iaiá
Deixa o menino aprender ô iaiá
Que a saúde do povo daqui
É o medo dos homens de lá
A sabedoria do povo daqui
É o medo dos homens de lá
A consciência do povo daqui
É o medo dos homens de láO valor de um amor não se pode comprar
Onde estará a fonte que esconde a vida
Raio de sol nascente brotando a semente
Sinhá me diz porque é que o menino chorou
Quando chegou em casa e num canto escuro encontrou
A sua princesa e o moleque fruto desse amor
Chorando de fome sem saber quem o escravizouDeixa o menino jogar ô iaiá
Deixa o menino jogar ô iaiá
Deixa o menino aprender ô iaiá
Que a saúde do povo daqui
É o medo dos homens de lá
A consciência do povo daqui
É o medo dos homens de lá
Sabedoria do povo daqui
É o medo dos homens de lá
Texto em português do Brasil
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