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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Sobre as águas da vida o silêncio dói

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

os santos populares desfilavam partilhados rua a baixo, onde são joão, são pedro, e todos os outros acoplados na mística dos sonhos e sardinhas

XIII

Os olhos ainda abertos defecando a ilusão do tempo, as lezírias cantavam hinos sobre os alpendres de janelas da minha cidade, os santos populares desfilavam partilhados rua a baixo, onde são joão, são pedro, e todos os outros acoplados na mística dos sonhos e sardinhas a acompanharem a tradição, uma carcaça aberta para receber a sardinha do dia, o bom vinho da noite na viagem para dentro de que corpo, estou longe amor, fá-lo por mim e em meu nome bebe desse sargaço doce, sem esmorecer sente como te sinto ainda que longe esse delírio perto, vivo a mesma instância no momento da tua felicidade acoplada à minha ausência sem estar longe de facto estando.

Directo das Marchas Populares de Lisboa em 1963 na Avenida da Liberdade pela RTP (arq. RTP)

O azedume, aqui sinto o teu sorriso, a alegoria dos cânticos nesses santos populares onde a cidade a arder felicidade, não estou só amor, visito matas e desenhos de que mapas onde atacar, o general desmembra o nosso sossego nesta caserna simples de que oficiais, somos apenas milicianos cansados e fartos, lá fora soldados como nós festejam como nós os santos populares dessa lisboa de alguns e nós aqui, a caserna enferma sei lá onde estou?, áfrica alojou-me como se sua fosse também e sinto-me nela como um irmão de paz, bebo o cacimbo e a quissângua, vivo o ritmo do merengue onde os fados são coisa do longe, vivo o verde deste prado vendido à farda que enxergo num corpo sem calma para tanto, sou um soldado da pátria, cansado, sabes?, bem assada como mandam as regras, o molho escorreito sobre que fatia a abençoar fraterna, como fumo do instante comer o momento um dia não são dias, a minha filha contigo nessa fila de gente feliz.

Talvez o calor aí aperte, aqui conforta, cansa, um sol imenso onde fardas transpiradas defendem quem nos manda, eu de bata branca e capuz azul opero e curo, o estetoscópio na lapela desta carta que te envio sem rumos ou resumos, digo apenas o instante que a vida me obriga a naufragar como um marinheiro neste solo verde seco de florestas cansadas de mim. Também me canso de sonhos prometidos, de viagens perdidas em cada uma das incursões que fazemos e onde os turras?, não sei se seremos nós aquilo que procuramos, visitamos campos de outros creio e nada é frutífero,

– boa noite, somos amigos!

de farda à lapela quem são?, perguntam-me e que dizer digo soltando felicidade,

– uma galinha assada amiga, tem?

somos amigos de paz, não somos guerreiros ou guerrilheiros de nada, não estamos contra nada ou ninguém apenas cumprindo uma missão de que obedecemos, somos amigos da nação que nos recebe!

Um acampamento de gente singular ao redor da nossa viagem, onde nos receberam com palmas e boas-vindas, o fogo aceso para uma refeição de gente humilde e hospitaleira, gritavam,

– queremos a vossa visita irmãos!

somos de facto irmãos, a nossa missão em áfrica não é desmobilizar pessoas, mas defender pessoas, agregar grupos de gente aos nossos auspícios de guerreiros e defensores de uma pátria párida, gestante, valorizando o espírito da nossa missão. Temos de ser guerreiros na vida, não guerra propriamente dita, defendemos a paz e a nossa é uma comissão de honras aos que encontramos nas suas casas, lavoura, café, fazendas, viemos numa comissão de lágrimas, largados num cais qualquer para não sei quê, apregoar os bons costumes, o hábito pelo cumprimento logo pela manhã onde que caserna ou tenda de campanha, soldados apenas nesta comissão, repito, de paz.

Não fosse a nossa missão, apreciaria tudo de forma diferente, isto é lindo, o sol nasce cedo e acompanha-nos nas campanhas, nas incursões de missão diária que temos como militares, somos soldados amor, e a quem dizer não se viemos para essa missão, incutiram-nos essa obrigação mas depois tanto muda no campo de batalha, não há batalha nenhuma mas tudo é duro, o jeep velho e enferrujado com o seu ruído de diesel caminha onde nós o levamos, o cabo Esperança motorista do exército português caminha solitário e nós a seu lado, uma mina de ferro estilhaça a vontade e nós lá, e que soldados desaparecidos eu na tenda a conjuntar ossos partidos e peles queimadas, tu sem mim e eu igual a ti, mas não sozinho, coso e curo camaradas desse ou deste Portugal lindo onde que Salazar a infernizar-nos a vontade, queira Deus definhe, queira o destino o seu fim. Mas para onde uma guerra sem quem queira o seu desígnio?

À noite um sono cansado, as pernas pesadas, insónias infinitas e medicamentos mais para acalmar e sacar esta ânsia. Um dia de novo lisboa.


Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos o primeiro capítulo do livro Sobre As Águas Da Vida O Silêncio Dói


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