em nome da pátria contra os canhões marchar, marchar!
XXVII
Em cada esquina desta distância ruídos desparecidos por instantes, uma brisa cansada sobre a caserna perdida neste horizonte de gemidos onde soldados escoltados regressam sem rumo e ao mesmo me recordo de tudo o que havia deixado para trás,
– Deolinda, ainda calada?
Santa Paola talvez enorme e sem os meus braços, Lisboa asizada nesta cabeça ainda aí, na nossa casa, sabes? Tantas vezes me pergunto e sem resposta me calo, debruço-me sobre secretária da enfermaria desta tenda verde e cansada, na enfermaria,
– ai doutor!
e as linhas de coser novamente, esta rotina sem fim canso-me, saturo como posso com estas agulhas enferrujadas e pronto, resolver ao menos pequenos problemas de gente sem rumo, passo devagar pela enfermaria observando com transpiração, há um calor imenso nesta mata do norte de Angola, onde tiros se ouvem disparados para nos entreter, quem sabe, o soldado de trás-os-montes ainda deitado e quem sabe mutilado, a pátria na cabeça e a gente farta, e tantos partiram já com uma bala perdida nesta mata que devora. Sinto-me sem sono, tento contar estrelas onde estiverem, uma asia nefasta nesta fome sei lá de quê, súmulas de viagens perdidas e o jeep capotado ainda na cabeça, ainda na alma a saudade e que saudade, coisas nenhuma, sinto-me partido, quebrado por dentro, não sei se cansado mas deslumbrado também, um dia metrópole novamente mas quando? Ao fundo de todos os pensamentos a mesma mensagem sempre, a voz repetida e os ouvidos,
– quando regressas amor?
a carta guardada para sempre nesta sacola cinzenta que me alimenta todos os momentos e neles descrevendo tudo o que me venha à cabeça.
O rio tejo sobre as areias do meu quintal, moro em benfica qual tejo, um rio qualquer de lisboa chegava para me aliviar, sentir a certeza da chegada e o fim desta paragem na vida, estes percursos que não conseguem descrever, a cabeça regista o que o corpo sente,
– em breve amor!
lá fora a ausência e nada se vê a não mais do mesmo, inimigos imaginados tal o cansaço, amigos nenhuns digo eu, a gente percebe quando a cabeça descansa e é gente como nós que luta também pelos seus direitos e nós sem chão, somos varridos por quem nos governa e enjaula, esta cela chamada mata perdida nas florestas imensas deste país enorme, somos enganados por uma pátria que se desconhece, sabes?, somo engolidos por monstros que se perdem para dentro de nós levando-nos sem rumo ao fim do mundo, sim, estamos efectivamente no fim do mundo para sacrificar os inocentes para serem como um diabo por esse senhor ditador que manda em todos nós.
– para quando o fim desta masmorra?
Pergunta a minha cabeça e ninguém me ouve, disfarço sempre nunca estar cansado e ao fundo o general estuda os mapas e novo ataque é programado, de novo a tremermos tudo é para tão longe, este lugar é imenso e são dias e dias a percorrer o nefasto, rios, lagos lagoas tudo para superar e regras,
– viemos para obedecer a lei!
em nome da pátria contra os canhões marchar, marchar!
Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Sobre As Águas Da Vida O Silêncio Dói
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