os jeeps aquecem já na parada mais à frente, metralhadoras nas mãos e granadas penduradas à cintura começamos indo para nada como sempre, fervilhar o tempo num tremelico constante e medo,
XXXII
A formatura bem cedo, logo pela manhã, ainda o sol despontava no horizonte coberto pelas nuvens e a gente desfilava em frente ao comandante de companhia, lado a lado e organizados vinham instruções e o novo dia chegava, olhávamo-nos devagar,
– quem falta?
o semblante frio como se de uma agonia se tratasse, a brisa ainda e as boinas bem postas seguem-se as regras do comandante e a gente ali cumpre,
– companhia, firme!
como num carreiro de bois seguiam os soldados preparados para uma jornada,
“que nos espera hoje?”
Penso
a rotina cansa e a gente sabe, nunca nada diferente, marchar, marchar, e seguir para mais uma viagem ou incursão pelas matas tentando encontrar o mesmo de sempre, medo sempre, cansados já mal iniciamos a caminhada,
– há quantos dias não consigo dormir, doutor.
os jeeps aquecem já na parada mais à frente, metralhadoras nas mãos e granadas penduradas à cintura começamos indo para nada como sempre, fervilhar o tempo num tremelico constante e medo,
– sinto as pernas tremerem!
somos cada vez menos, somamos cada vez mais baixas e o dia à nossa frente, seguimos e que rumo?,
– isto é para homens!
em lisboa no gabinete o general calcula mapas e ordens para baixo, no gabinete a guerra é mais serena, não se ouvem as metralhadoras nem se sente a dor de camaradas mortos à nossa frente, no gabinete não se rasteja simulando o inimigo, em lisboa fazem banquetes e a gente nem bancos nesta selva sem verdade ou só mentiras, não encontro verdade nenhuma nisto tudo a não ser carne para canhão,
– o Alfredo?
tantos na enfermaria acumulados uns sobre os outros e ais sem fim estamos na guerra, estamos em defesa da pátria que nos pariu, excomungados como lagartixas e filhos de uma vida a perder-se devagar,
– cuidado, baixar!
enquanto aves selvagens nos assustam espalhando mais ainda o medo e a raiva que sentimos, aqui nem o sol se consegue ver tal a vegetação à nossa volta e sobre nós, vastidão nenhuma e carreiros feitos à pressa leva o jeep enquanto outros caminham em carreirinho rumo ao desconhecido, aquele onde já nos encontramos.
Nos braços tatuados “amor de mãe” e saudades, onde a família e a terra, se família ainda quem sabe, um dia o fim disto tudo e de novo a terra que nos viu nascer sem culpa nenhuma e ganância do nosso maior mal,
– viva Salazar!
um dia terminarás e tudo termina também, sinto o cheiro da chegada que pretendemos todos e Salazar findar-se nos escombros desta raiva que nos deixa sem fome, sozinhos e entregues à nossa sorte.
Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Sobre As Águas Da Vida O Silêncio Dói
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