desfilo os dedos contra a cara e suo como se descesse a calçada da estrela numa tarde de viagem por dentro de mim neste hospital do sé na estrela, o eléctrico ferrugento rejubila ao caminhar carris cansados de tantas tardes ali estar para nada mais que ser apenas ver o rabo da vida.
LVI
Ao fundo o corredor do tempo entremeado e janelas decorando as memórias, um som perdido nos entraves dos passos titubeantes que derrapam vagarosos sobre a lama do mercedes cinzento e ainda na cabeça estiolados. Embaciados de distância os vidros coloridos pelo reflexo tardio desta fome, a bata azul a desencantar-me os gemidos perdidos nas enfermarias que nem sei se as invento, um violino de Chopin nos ouvidos ensanguentam-me saudades de qualquer mão que me aperte para dentro os vómitos deste cheiro verde num azoto perdido enquanto os passos ainda nestas lamas de verniz do corredor do hospital como sanguessugas transvertidas na garganta, do lado direito uma varanda abandonada e destinada a fumadores para onde me dirijo para um suave mais que perfeito vento a levantar dos dedos o cigarro irritado por existir neste fardo de ter que pensar.
O éter nas falanges de cada lugar como goivos pontiagudos saltitam narinas esfomeadas de viagens e ainda de viagens a minha cabeça nas matas que nunca mais vi enquanto ainda as ouço glutinar como geleias derretidas nas palmas destas palmadas contra a escuridão do meu vazio neste cobertor nenhum de varanda qualquer um fumo suave que cria sobre o corrimão uma nuvem de tempo perdido olhando-a apenas. Às vezes um zunido de plástico na várzea dos quintais abandonados e os poetas dispersos soletram volúpias nos metais acústicos de tantas vontades amordaçadas e sem maçada conto-me aos pedaços, desfilo os dedos contra a cara e suo como se descesse a calçada da estrela numa tarde de viagem por dentro de mim neste hospital do sé na estrela, o eléctrico ferrugento rejubila ao caminhar carris cansados de tantas tardes ali estar para nada mais que ser apenas ver o rabo da vida.
Os bares como estrelas vazias de cálices entornados como um cheiro nauseabundo à porta do tempo, este templo para diagnósticos pensantes rosnam dor e paciência, o navio daquelas viagens para terras de ninguém na mente a enfurecerem-me como asnos nestas paredes pintadas de lembranças e cartazes como vândalos rasgam-me devagar a visão neste paraíso esquecido à beira-mar de qualquer lisboa da minha cabeça.
O desplante deste cigarro ancorado nas tardes silenciosas percorrem imagens inventadas para dentro dos sonhos como pássaros enjaulados nas varadas, e o tempo, esse, ainda perdido no âmago de soldados antigos na praça da alegria comentam caçadas sem vontade e só sorrisos dispersam o tempo nesta mesa de madeira rústica de tabernas sem história, a mente é uma viagem cansada sabes?, encurralo-me por estes átrios esmagados como carne para canhão nas mãos dos generais demolidos pela ganância e nada, a não ser este regresso sem glória. Rastejamos apenas no que tarda em desaparecer, esta mesa posta para a relíquia que ainda me fustiga e intriga como restos sobrados daquelas perdidas escuras e as mãos içadas a canto qualquer dos nossos tempos perdidos.
Esmago como dentes quando me percorro esta sede de vida que se anuncia ainda para dentro dos anos passados, uma refeição avulsa pelas ruas aglutinadas que só eu as vejo e percebo de mim para mim sem nada por desvendar, os passeios ainda por cozinhar nesta sala de anos, a minha mãe vencida e já nada dela a não ser a memória, do consultório de farturas com ciganos para vender sentenças numa reunião calada onde nem palavras se escreviam nas paredes de tantas tardes nas florestas do olimpo desta grécia de silêncios onde que sabedores cansados murmuram odisseias em livros lacrados na mesinha onde durmo sempre, deitado apenas.
Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Sobre As Águas Da Vida O Silêncio Dói
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