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Sábado, Agosto 24, 2024

Sobre o número de horas de aulas

aulas

Pela Aprendizagem Não Formal a tempo inteiro

Antonieta GuerreiroInterrogo-me sobre a ideia de uma “Escola a Tempo Inteiro” defendida pelo Governo, das 8:30h às 19:30h. Preocupa-me o tempo excessivo que as nossas crianças passam na escola, tendo pouco tempo para brincar e serem crianças como nós fomos.

Pergunto-me, faz mais sentido aumentar a carga horária da escola, ou, faz mais sentido dinamizar as associações e colectividades e clubes diversificando a oferta na música, no desporto, no voluntariado e cidadania consciente?

O valor hora das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC’s) pago aos professores por aulas de 45 minutos já foi de 13,00€. Mas há municípios – ao abrigo dos protocolos de cedências de competências – que pagam a 12,00€ ou até 5,00€.

Simplificando: Os municípios têm liberdade para entregar a empresas ou a associações a contratação de professores que por sua vez pagam a estes o que lhes apetece. Ou seja, pagam pouco para ter mais lucro ficando muitas vezes colocada em causa a qualidade técnica desses professores.

Já tem acontecido estes jovens professores serem meros executantes de algum instrumento musical ou desporto sem quaisquer competências pedagógicas Via Ensino. Ou seja, é mais um bom negócio gerido pelas autarquias!

Através das AEC’s algumas empresas aproveitam para explorar professores desempregados ou em situação precária e assim encaixar algum dinheiro.

Mas a minha maior preocupação recai sobre as associações de pais e educadores que consideram esta medida boa.

Isto poderá significar que mesmo se os pais tivessem horário reduzido dificilmente iriam buscar, levar ou acompanhar os filhos nas actividades extra curriculares. Dei catequese durante 10 anos (dos 15 aos 25 anos) e foi, exactamente, este o principal motivo porque me afastei.

escola tempo inteiro 3É que até aos sábados e domingos os pais utilizam a Catequese como depósito dos seus filhos. Suponho que deva ser uma sobrecarga enorme para os pais ficarem ao fim-de-semana com as crianças em casa a correr de um lado para o outro!

Pedagogos e psicólogos consideram que as crianças que passam muito tempo longe dos pais desenvolvem muitas vezes um comportamento inseguro. A base do sentimento de segurança vem da interiorização das figuras paternais o que acontece pela convivência profunda entre os pais e os filhos, não havendo nenhum educador que se possa substituir aos pais nesta tarefa.

Pais que convivem menos de duas horas por dia com os filhos têm mais dificuldade em discipliná-los, seja por pena ou receio de ficar mal vistos. Deixando de discipliná-los esses filhos desenvolvem uma baixa resistência à frustração tendendo a tornar-se ditadores, manipuladores e autoritários.

Hoje sabemos que um adulto bem sucedido é equilibrado emocionalmente. Gere bem situações de frustração e não tem receio da competição, pois sabe quais são as suas competências, o seu lugar e sabe disso por ter uma auto-estima equilibrada e saudável.

É bom lembrar que auto-estima é construída na primeira infância pelos pais que despendem tempo para acompanhar em detalhe a evolução de comportamentos e que a personalidade aos 3 anos já está formada.

Hoje, as crianças “trabalham” tantas horas como os adultos. Estamos a falar na ordem de 70 horas por semana em idade de 10 anos, mais os trabalhos de casa que levam para fazer. As crianças também dormem menos horas do que as necessárias para as suas idades. Uma criança de 10 anos deveria dormir cerca de 10 horas.

Sabendo que há cerca de 90 doenças associadas ao sono, isto por si só deveria deixar-nos alerta para a forma como cuidamos das nossas crianças.

O excesso de peso das malas que carregam às costas ou os trolleys que puxam irão trazer-lhes problemas a médio e longo prazo ao nível da formação óssea e na sua postura, para não falar na Saúde Mental devido à privação das horas de sono.

Também aqui a Educação para a Saúde continua a falhar e se nem a sensibilidade dos pais e educadores chega para mudar isto, como poderão fazê-lo os nossos governantes uma vez que estes são eleitos pelos primeiros?!

escola tempo inteiro 1Num cenário ideal, como o que é desenvolvido na Escandinávia, os pais saem às 16 horas do trabalho tendo por isso tempo para o lazer e para estar com os seus filhos.

Naturalmente, em Portugal isto é impensável, pois seria necessário uma alteração profunda dos horários de trabalho bem como do paradigma da Qualidade de Vida, ou seja, do Trabalho vs Lazer.

Também nesta matéria a Escola da Ponte parece ser uma espécie de terceira ou quarta via, ou, quiçá, a única via alternativa, na medida em que olha para as crianças como um todo, pois cada criança é um ser único cujos sonhos não podem ser anulados.

Parece-me que esta é mais uma oportunidade perdida para se construir qualquer coisa de novo e de diferente em prol de um mundo melhor.

Como referiu numa entrevista ao jornal DN o psicólogo educacional José Morgado: “os alunos não precisam de mais horas em formato de aulas. É preciso educação a tempo inteiro, mas não é preciso escola a tempo inteiro.”

Ora, é exactamente isto. As crianças precisam de:

  • mais educação, mas não mais escola;
  • mais formação, mas não mais aulas;
  • mais aprendizagem, mas não mais formalismo;
  • mais responsabilização, mas não mais normas;
  • mais socialização, mas não mais amputações à sua criatividade.

Das duas uma, ou as crianças ficam na escola com actividades e estas assumem estruturas informais bem diferentes das que acontecem nas salas de aula. Ou, aposta-se em definitivo na Aprendizagem Não-formal e ao longo da vida.

escola tempo inteiro 4É aqui que podem entrar as colectividades, associações, clubes e outras estruturas de bairro como as que foram criadas nos anos 20, 30 e 50 do século passado e que ainda hoje subsistem e que promovem as relações de proximidade, de vizinhança e formas salutares de sociabilização inter-geracional e também incentivam à criatividade e ao gosto pelas artes, cultura e desporto.

Isto significa também que estas estruturas teriam de estar preparadas para avaliar em créditos as Actividades de Enriquecimento Curricular. Créditos esses que podem ser posteriormente vertidos no Suplemento ao Diploma académico. Aliás, foi para isso que nós estudantes defendemos durante as negociações do Processo de Bolonha esta ferramenta associada ao Diploma Curricular.

Se for colocado o foco no incremento das associações e coletividades de bairro – de forma articulada entre o Ministério da Educação e a Secretaria de Estado da Juventude – em vez de colocarmos o foco na Escola, sob a tutela dos municípios, os resultados podem ser surpreendentes.

escola tempo inteiro 2Obviamente, isto obrigada a uma reestruturação profunda do sistema de ensino e da forma como nos relacionamos com a cultura, o desporto, o ambiente e a sociedade.

Infelizmente, as universidades não estão preparadas para utilizar o Suplemento ao Diploma como deve de ser, porque ele serve para muito mais do que ter o programa curricular em várias línguas estrangeiras.

As associações e colectividades não estão preparadas para valorizar o voluntariado como parte integrante e fundamental da Aprendizagem Não-formal. Nem tão pouco os ministros da educação e secretários de estado da juventude têm tido sensibilidade e capacidade para articular entre si uma coisa simples – criar uma tabela de créditos que valorize as acções de voluntariado nas associações e que esses créditos tenham o mesmo valor que os créditos das actividades curriculares formais.

Nem os empresários estão sensibilizados para valorizar este tipo de competências nos processos de recrutamento e seleção para as suas empresas.

Portanto, como tudo isto é muito difícil, parece que o melhor é prender os diabretes dentro das escolas durante o período de trabalho dos pais, enquanto o modelo educativo do professor José Pacheco, mais conhecido pela “Escola da Ponte” vai dando frutos ao fim de 30 anos sendo adaptado na Escandinávia e no Brasil… mas não em Portugal!

Em 2010 todos os deputados da Comissão Parlamentar da Educação, durante a elaboração do Estatuto do Aluno foram unanimes em considerar que as crianças passam demasiado tempo na escola.

O problema é que três Governos depois o número de horas na escola tem aumentado.

É constrangedor saber que tendo várias hipóteses para fazer a diferença optamos continuamente pela via mais difícil, mais penosa e que simultaneamente não tem nenhuma parte boa a médio e longo prazo.

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