A Agência de Notícias Lusa divulgou os resultados de uma “sondagem” realizada pelo recém-criado Matadalan Survey & Research Institute. Os atropelos ao método científico são gravíssimos, pelo que, quer se goste ou não, a pesquisa não tem credibilidade nem validade científica.
No passado Sábado, dia 14 de Abril, no Hotel Novo Turismo, em Díli, o Matadalan Survey & Research Institute (M-SRI), instituição lançada no mesmo dia, apresentou o resultado de uma “sondagem” sobre a intenção de voto dos cidadãos timorenses nas Eleições Parlamentares agendadas para 21 de Maio de 2023.
Até aqui (quase) tudo normal, contudo, algo começou a suscitar estranheza quando foi referido pelo M-SRI que na sessão de apresentação da sondagem não seria permitido ao público fazer perguntas para solicitar esclarecimentos. Quem tivesse dúvidas sobre os resultados da sondagem e quisesse fazer perguntas deveria solicitar um Fórum para discussão. Que “caravana” de pesquisadores com agendas estruturadas!
Ora bem, neste Fórum (Jornal Tornado), irei problematizar no sentido de fazer uma análise crítica à mencionada sondagem e demonstrar a ausência de validade científica da mesma, apontando as graves violações verificadas em questões de ordem ética de investigação e do método científico que nortearam esta pesquisa, especialmente no que diz respeito ao processo de amostragem.
Erros científicos da sondagem do M-SRI divulgada pela Agência LUSA
Uma sondagem realiza-se tendo em consideração, em termos genéricos, cinco etapas: selecção da amostra, instrumentos de recolha de dados, recolha dos dados, análise dos dados e relatório.
Como o relatório da sondagem não foi partilhado publicamente, apenas meia dúzia de informações da “ficha técnica” para tentar emprestar credibilidade à sondagem, poderão existir vários tipos de erros relacionados com o instrumento de recolha de dados e também erros que em geral se associam à amostra e à sua representatividade, como o erro de amostragem, o erro de não resposta e o erro de ajustamento, entre outros.
Para que os resultados de uma sondagem sejam credíveis e tenham validade científica a amostra seleccionada tem que ser representativa da população, isto é, a amostra deve ser convenientemente seleccionada da população.
Ora, foi no âmbito do processo de amostragem que se cometeram graves erros científicos, na medida em que a amostra não foi representativa da população porque não foi convenientemente seleccionada da população, como passo de seguida a demonstrar.
A sondagem incidiu sobre uma amostra de 400 sujeitos oriundos de cem centros de votação, sendo 50% de homens e 50 % de mulheres, tendo sido respeitada a representatividade do género.
Mas, na variável idade, consideraram-se apenas quatro grupos etários (17-24, 25-34, 35-49 e 50-70), ou seja, neste aspecto da categorização da faixa etária cometeu-se um “erro de palmatória”, sob o ponto de vista sociológico, técnico e científico.
Um outro erro, igualmente grave, quiçá pior do que o anterior, verdadeiramente escandaloso (!), registou-se no plano da selecção dos sujeitos na medida em que foram premeditadamente eliminados eleitores oriundos de classes sociais com baixo nível académico.
Processo de amostragem eliminou sujeitos com mais de 70 anos
O processo de formação dos grupos etários foi o primeiro erro da sondagem porque foram ignorados os eleitores com mais de 70 anos. Quer dizer, para o M-SRI, os Katuas (os mais velhos) com mais de 70 anos de idade não têm direito a opinar. Num país fortemente envolvido em processos culturais em que os “mais velhos” têm opinião válida e decisiva, neste processo de recolha de opiniões foram totalmente ignorados e esquecidos.
O Presidente da República de Timor-Leste, por exemplo, atendendo a esta lógica do M-SRI, com grave violação do método científico, não poderia ser convidado a dar uma opinião. Por muito que quisesse dar a sua opinião estaria proibido porque os responsáveis pela sondagem decidiram que os eleitores com idade superior a 70 anos teriam que ser excluídos.
Sujeitos não escolarizados foram excluídos da amostra!
Em qualquer sondagem, desde que não seja manipulada politicamente, no processo de amostragem é absolutamente imprescindível incluir sujeitos de todas as classes sociais e níveis académicos porque, obviamente, todos são eleitores e todos têm opinião.
Acontece que nesta sondagem do M-SRI, dito pelo seu Vice-Presidente durante a explanação realizada no Hotel Novo Turismo, todos os presentes ouviram, com a argumentação de que se pretendia “obter respostas credíveis e válidas”, os pesquisadores do Instituto decidiram considerar apenas eleitores com nível académico elevado, portanto, com exclusão dos não escolarizados ou de nível académico baixo, note-se bem, num país onde a maioria da população é não escolarizada (!).
A correcta caracterização socioeconómica e cultural dos sujeitos do estudo devia ter sido obrigatória no processo de construção dos instrumentos de recolha de dados, o que não aconteceu, portanto, devido a este erro grosseiro, o processo de busca de informações sobre opiniões, atitudes, preferências, valores e satisfações comprometeu toda a sondagem e os seus resultados não têm qualquer validade científica na medida em que foram ignorados procedimentos científicos no sentido em que não foram executados princípios fundamentais que devem ser postos em prática em qualquer pesquisa.
Neste aspecto, o M-SRI, o que é realmente grave, não compreendeu quais são as etapas principais de procedimento de um estudo desta natureza e não valorizou as várias dimensões determinantes para atender à dimensão essencial de qualquer processo científico que passa por fazer a ruptura com preconceitos e ideias prévias.
Em qualquer pesquisa, se queremos resultados credíveis, devemos tomar em atenção o objecto científico, para reflectir com lucidez, e assegurar a hierarquia dos actos epistemológicos que incluem a ruptura, a construção e a verificação.
Conforme defendem vários sociólogos de referência internacional, estou a lembrar-me de Bourdieu, Passeron, Chamboredon, Quivy e Campenhoudt, entre tantos outros, os actos epistemológicos que referi integram os procedimentos de qualquer investigação.
Outrossim, o M-SRI ignorou o facto de que estamos perante um estudo correlacional em que se procura indicar em que grau, determinados fenómenos estão relacionados, portanto, ao eliminar premeditadamente da amostra os sujeitos com baixo nível académico, as informações obtidas que devem ser o objecto de análise ficaram comprometidas e a amostra seleccionada na sondagem, só não percebe quem não quer, reflecte apenas os interesses de um ou dois partidos políticos, nomeadamente aqueles que têm mais implantação na classe social média-alta.
Conselho de Imprensa e Órgãos de Comunicação Social
Em jeito de conclusão e sistematização, gostaria de acrescentar, a não inclusão na amostra de sujeitos com mais de 70 anos de idade e de sujeitos com nível académico baixo, onde se incluem os agricultores pobres que constituem mais de 70% da população de Timor-Leste, para além de erros científicos procedimentais muito graves, poderá ser interpretada como uma sondagem manipulada, quiçá, ao serviço de interesses estranhos à democracia e ao país, na expectativa de poder beneficiar partidos políticos que violam a ética política, valores e princípios fundamentais.
No assunto em análise, refiro igualmente a postura ética que devem assumir os órgãos de comunicação social sediados em Timor-Leste, nacionais ou estrangeiros, no sentido de cumprirem na íntegra com o “código de Ética dos Jornalistas” sobre as regras deontológicas à profissão e que constam na Lei Nº 5/2014 de 19 de Novembro.
Em termos legislativos, recordo o artigo 4º da Lei nº 5/2014, ao referir que:
“São deveres dos órgãos de comunicação social: comprovar a veracidade da informação prestada, recorrendo, sempre que possível, a diversas fontes, garantindo a pluralidade das versões”.
E, também, segundo o artigo nº4, os órgãos de comunicação social devem:
“Defender o interesse público e a ordem democrática”.
Neste sentido, para se defender a imagem de Timor-Leste no que diz respeito às boas práticas e ao exercício da cidadania, o Conselho de Imprensa, a Autoridade Nacional de Comunicação Social, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), entre outras entidades do Estado, devem ser actuantes na questão da regulação das práticas das entidades responsáveis por sondagens e dos órgãos de comunicação social, nacional ou estrangeira, principalmente em momentos muito delicados, como é o caso, em virtude de estarmos em tempo de eleições parlamentares.