Diário
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João de Sousa

Quarta-feira, Julho 17, 2024

Sonho

Não sei descrever exactamente as características daquele ser… Divinal? Talvez, mas o exagero de beleza poderia ser facilmente consequência de um pacto com o demo…

Eu queria apenas driblar a decepção, fugir da monotonia, soltar umas baforadas imaginárias, pois como sabem só fumo em pensamento…

Caminhei em direcção aos porões… Andava exageradamente descontraída, talvez em consequência das duas taças de vinho que havia bebido ao almoço… O sabor dos sulfitos impregnados no pensamento, fazia a minha mente borbulhar e como uvas espremidas jorrava em mim imagens românticas de uma vinícola. Românticas mesmo, cheguei a visualizar uma cena intima, por cima de um monte de uvas… Ou era dentro da celha?

Em passos lentos flutuava em direcção ao mar, a brisa enchia o meu peito com uma sensação de alforria. Sentia-me livre de toda e qualquer preocupação, era o nosso momento, só o mar e eu…

Foi então que avistei aquele ser… Meio homem, meio peixe… Com escamas reluzentes, num contraste entre ouro e prata, tinha o tronco nu, e o brilho dos seus dentes ofuscava aquela visão.

Um forte impulso fez-me correr na direcção oposta quando senti, os meus pés congelados: nem para a frente nem para trás… Olhei para o mar tentando desfazer aquela visão, julgando ser apenas um reflexo do meu fértil pensamento, mas não. A criatura continuava lá, gesticulando com os olhos chorosos por ajuda… Embora não possa dizer se o que tinha nos olhos eram lágrimas ou água do mar.

O medo não me deixava reagir, queria fugir… Ainda tentei perguntar algo mas tinha a garganta afónica, o esforço que fazia ao tentar falar, feria-me as cordas vocais. Ganhei coragem e aproximei-me, e ele esticava as mãos chamando-me e mostrava a barbatana caudal, encravada entre as pedras do porão. Aproximei-me e gesticulei implorando que ele não me atirasse ao mar. Agora lembro-me que tinha os olhos lindos e o azul do mar reflectia neles toda uma assustadora ternura…

A maré estava baixa, facto que conspirava contra as suas forças, o sol desidratava as suas escamas e enfraquecia-o.

Aproximei-me, tremendo feito terramoto, e sem dizer uma única palavra, removi a pedra por cima da sua barbatana caudal… Esticou para mim sua, pedindo pedindo que o arrastasse até à água… Não lhe dei a mão, não disse nenhuma palavra (isunje) para falar com um ser místico? Nem em pensamento, sob consequência de ficar aluada ou mesmo muda.

Sentei-me em silêncio e juntos esperamos pela onda arrebatadora.

Brindou-me com um show de ginástica aquática… olhou para mim expectante, como se esperasse uma reacção…

Foi então que se pôs a cantar: É sardinhéé… É sardinhéé

E de repente o Setinhos número dois chamou-me: Mamã, mamã… Acorda, não vais comprar peixe para o almoço?


A autora escreve em PT Angola


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