Naquela noite estavam juntos dois pequenos grupos na zona da Boavista. O dos sem abrigo e o dos voluntários de uma instituição de solidariedade.
Um carro aproximou-se lentamente e, do seu interior, atiraram muitas moedas para o chão. Todos os presentes ficaram como que congelados perante tão desumana atitude. Uma das mulheres que ali estava à espera da refeição quente apressou-se a apanhá-las devolvendo-as violentamente para dentro do carro, gritando : “ Eu sou dona da minha fome! Eu sou dona da minha fome…”.
Mesmo vivendo na rua e da caridade ela não tinha perdido a dignidade. Continuava a ser livre. Naquele preciso momento percebi o que era viver do lado oposto ao medo e à miséria.
Foi aí que soube que o estatuto mais elevado que o ser humano pode almejar é “ser dono da sua própria fome”. Só deste modo poderemos ser realmente nobres. Ao contrário do que podemos imaginar não é, geralmente, uma mesa farta que nos torna gente.
Por isso , muitas vezes, quando me sinto perante a dificuldade me lembro: “ Eu sou dono da minha fome ! “. Não é fácil vergar o carácter de um homem quando ele já percebeu isso…