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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Sri Lanka, entre o espiritual e o material

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Colaboração do Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos do Humanismo e de Reflexão para a Paz (integrado na área de Ciência das Religiões da U.L.H.T.)

As guerras nunca têm perdão… Uma das melhores maneiras de falarmos sobre a realidade é conhecê-la – e muito especialmente prová-la onde se produz.

Admitimos que é um pouco o que se passa com alguns dos elementos que fazem parte do nosso Núcleo de Investigação, aproveitando este espaço, e agora a ocasião para destacar a nossa experiência num país do mundo que conhecemos bem e que visitámos algumas vezes. Falemos pois do Sri Lanka, o antigo Ceilão que a história de Portugal marcou de modo intenso, aliás à dimensão de outros lugares do mundo.

Nos últimos anos, as notícias difundidas a partir do Sri Lanka registam um abrandamento notável dos conflitos que tanto agitaram e feriram o território ao longo dos anos. Mas mal chegamos a Colombo, a capital, fortíssima presença do exército em patrulhas constantes faz-nos lembrar que a paz é uma ilusão e que ali se vive, em conquista recente, sempre sobre a ameaça de um novo conflito que potencialmente pode reacender-se de um momento para o outro. A um governo sempre musculado, autoritário, estável todavia, opôs-se durante décadas o grupo Tigres de Libertação da Pátria Tamil, LTTE, na sigla inglesa, grupo que teve a sua ação mais ativa sob a liderança de Velupillai Prabhakaran. Velupillai foi abatido a 18 de maio de 2009, na sequência de um confronto com o Exército cingalês.

A luta, de acordo com os princípios dos Tamil, visava a criação de uma pátria independente para a minoria tamil, no norte e leste daquele país asiático. E a autoafirmação de uma minoria de hindus e cristãos romanos, diante de uma maioria budista. O mote religioso não deixa de ser equiparado ao interesse político, à autoafirmação étnica e local, a interesses que, uma vez mais, ultrapassam as crenças e as confundem com ideologias menos espirituais e muito mais materiais.

Na sequência da morte de Velupillai Prabhakaran, o governo anunciou o fim do conflito, iniciado há quase 40 anos. Os “rebeldes”, ou melhor, os separatistas iniciaram a luta por um Estado independente – Eelam, no norte e leste do Sri Lanka – ainda nos anos 70 do século passado. O argumento que os movia era fundamentalmente o da descriminação: a comunidade tamil era desprezada pelos sucessivos governos dominados pela maioria cingalesa (budista).

O LTTE foi das guerrilhas mais organizadas e disciplinadas do mundo nas últimas décadas. Tinha a sua própria “capital”, Kilinochchi, forças militares, marinha e até uma força aérea rudimentar. Também desenvolveu o treino de milícias e a técnica de atentados suicidas para alcançar efeitos ainda mais letais. Os Tamil são considerados, em vários países, na categoria dos grupo terrorista.

O Sri Lanka é um país multiétnico com uma população de cerca de 21 milhões de habitantes. Antigo centro do budismo, o país também tem um número significativo de hindus, cristãos, muçulmanos e comunidades menores de outras religiões.

As origens do conflito remontam ao período em que a ilha se tornou independente da Grã-Bretanha, em 1948. Embora os anos imediatamente posteriores à independência tenham sido de paz relativa, logo começaram as tensões entre as duas comunidades. Falam línguas diferentes – cingalês e tamil – e ambas as partes afirmam que os seus ancestrais são os habitantes originais da ilha.

Logo após a independência, a comunidade tamil começou denunciar uma suposta discriminação por parte da maioria cingalesa, que dificultava o acesso seu acesso a empregos públicos e às vagas na universidade. O governo argumentava estar a corrigir os desequilíbrios do período colonial, quando os cingaleses acusavam os britânicos de dar tratamento preferencial aos tamil.

Esta discriminação por parte do governo foi citada por Prabhakaran, líder dos Tigres, como o principal motivo que o levou a criar, em 1972, a milícia Novos Tigres Tamil, que quatro anos depois foi rebatizada como Tigres de Libertação da Pátria Tamil.

A luta pela criação de um Estado tamil autónomo foi usada para “legitimar” inúmeros ataques suicidas e outros atentados empreendidos pelos Tigres contra alvos civis e militares.

O primeiro ataque registado feito pelos Tigres Tamil ocorreu em 1983, quando, 13 soldados cingaleses foram mortos por militantes tamil em Jaffna, (considerado um centro espiritual e histórico dos tamil).

Durante muitos anos, os rebeldes controlaram extensas áreas do norte e leste do Sri Lanka até o movimento rebelde ser destruído como força militar convencional e a sua liderança ter sido dizimada.

Os ataques da guerrilha espalhados pela região foram diminuindo até hoje serem quase inexistentes. Os Tigres sempre tiveram como uma das suas bases de apoio diversos membros da diáspora tamil, bem como dos Tigres que vivem no estado de Tamil Nadu, na Índia (onde ainda hoje se encontram).

Os Tigres também controlavam grandes recursos financeiros e logísticos e contavam com o apoio de muitos expatriados em vários países.

A captura da cidade de Mullaitivu, logo depois da queda da “capital” rebelde, Kilinochchi, foi considerada uma grande vitória simbólica para o governo. Os dois lados sofreram perdas significativas. Centenas de milhares de pessoas também perderam as suas casas durante os conflitos, principalmente no norte do país, onde os militares lançaram ofensivas contra áreas controladas pelos Tigres, depois de tomarem o controle de regiões no leste do Sri Lanka. Calcula-se que durante todo o período da guerra civil no Sri Lanka, mais de 70 mil pessoas tenham morrido e muitos milhares tenham procurado refúgio em países ocidentais, o que trouxe graves consequências económicas e sociais para o país.

Uma política de integração das minorias tem sido exigida pela comunidade internacional nos últimos anos – e parcialmente cumprida.

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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