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Domingo, Novembro 24, 2024

A estrela de uma cineasta

A estrela de Suzana Amaral brilha na constelação do cinema brasileiro com esse filme.

— Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?

Essa é uma declaração/pergunta de um dos diálogos mais surpreendentes, insólitos e ternos da literatura brasileira, dita por Macabéa, a personagem principal de “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, escrito em 1977, página 54, levado ao cinema por Suzana Amaral em 1985.

Inevitável não associar a cineasta ao seu filme de estreia, que deu a ela o Urso de Prata no Festival de Berlim, e a Marcélia Cartaxo o Urso de Ouro como melhor atriz. “A hora da estrela” foi também o grande vencedor do Festival de Brasília (diretor, atriz, ator, fotografia, edição, filme) e no Festival de Havana o Prêmio Coral de melhor diretora.

Suzana Amaral, que faleceu aos 88 anos, dirigiu mais dois filmes baseados em obras da nossa literatura, “Uma vida em segredo”, 2001, do romance homônimo de Autran Dourado, publicado em 1964, e “Hotel Atlântico”, 2009, suspense de João Gilberto Noll, 1989. Mas o livro de Clarice Lispector teve uma impactante transposição de linguagem pouco vista na história do cinema brasileiro desde “Vidas secas”, filme de Nelson Pereira dos Santos, 1963, do clássico de Graciliano Ramos, 1938.

A configuração dos conflitos existenciais dos personagens claricianos, Macabéa e Olímpico de Jesus, ganha na narrativa cinematográfica uma fusão fluente narrador-personagem-autor, sem caracterizar uma representação, e sim um diálogo entre uma obra e outra, entre escritora e cineasta, tornando esta igualmente criadora no entrelaçamento dos gêneros artísticos.

Macabéa é uma personagem tão emblemática da nossa rica literatura quanto Macunaíma. Assim como Grande Otelo deu corpo e alma ao anti-herói de Mário de Andrade, no filme de Joaquim Pedro, Marcélia Cartaxo deu definitivamente cara, perfil e essência à criação de Clarice, sob a forma como Suzana Amaral esculpiu, com sua sensível direção, o tempo e a alma da invisibilidade social da personagem.

A estrela de Suzana Amaral brilha na constelação do cinema brasileiro com esse filme.


por Nirton Venâncio, Cineasta, roteirista, poeta e professor de literatura e cinema  |   Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado


 

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