“daqui a cinco minutos vamos embora”
Ainda a sala na mesma onde vozes antigas nos quadros espalhados pelas paredes vivem como se os morcegos me vissem sentado no jardim fundo e verde os baloiços
“daqui a cinco minutos vamos embora”
uma sensação de nada como se a vertigem iluminasse as formas do corpo e eu sentado creio, e como gostaria eu de entender o que via e nada, tudo numa difusão e os sentidos oblíquos das resmas secas no chão enquanto se espera pela chuva e que horas no relógio colado ao braço esquerdo, olho-o de soslaio
“daqui a cinco minutos vamos embora”
enquanto tudo é ainda pensamento, o Bairro Montanha Pinto sem escadas apenas a rampa de cimento onde havia sempre o meu canto e onde sempre me escondia evitando o sol e que frio, nem as vozes contentavam sei lá, o baloiço que havia também ali rodopiava como poisavam os pássaros refastelados no sobreiro encolhido mais acima, gotas pingavam e eram talvez saudades, nada mais me passava pela cabeça e o momento era aquele.
Quem sabe um dia as almas entendam, o aeroporto parado e na rua tudo na mesma, talvez um ou outro carro desciam e seguiam o seu destino num suco de pensamentos meus e eu parado, que correrias daria naquele dia não fosse o tempo escassear.
A Maria como sempre sentada na rampa coçava a cabeça. As tranças na mesma, uma bola de trapos perdida ao fundo do quintal e um jogo entre mim e o tempo, a verdade era uma mistura de bananas e chuviscos quando entardecia, o que acontecia quase todos os dias e nem estranhava já, um anexo branco de portas abertas na mesa escreviam-se cartas e lia-se o jornal como rotina, um vício para nada, que notícias interessavam naquele cansaço de fim do dia do trabalho de todos esperava-nos talvez o jantar e que fome,
“daqui a cinco minutos vamos embora”
Fomos de facto embora, ficaram memórias, saudades, viagens entre o centro e o fim da cidade, a minha casa sozinha espero-a ainda, não, é tarde talvez e que me adianta agora remoer como se as tripas fossem o gargalo de tantos momentos para sonhar, sentir ainda aquelas saídas de abacaxi nos campos e o senhor Silveira na enfermaria de seringas na mão
“bom dia Fernando!”
quando o Fernando Pires chegar vamos então tratar disso, ouvia sempre isto quando chegávamos do hospital central lá pelos lados do aeroporto hoje mais velho que eu sei lá, existe ainda? Talvez as almas entendam.