Em meio às críticas de Lula ao Banco Central e a seu presidente devido à manutenção da taxa em 13,75%, economistas apontam impactos que Selic elevada traz para o país.
Há alguns dias, a queda de braço entre setores que defendem uma agenda governamental voltada para o desenvolvimento econômico e social do país e os mais alinhados ao mercado financeiro ganhou força com as críticas do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em jogo estão as condições que o governo precisa ter para colocar em prática o programa que venceu nas urnas e que tem o desafio de reconstruir o país.
O centro do debate atual é a alta taxa de juros aplicada no país, de 13,75% ao ano — índice que segue inalterado desde agosto, sendo o maior nível desde janeiro de 2017 —, e a autonomia do Banco Central, que pode, como acontece agora, levar a um descompasso entre as necessidades do governo e da sociedade e a visão do mercado.
Em comunicado feito após sua mais recente reunião, ocorrida no dia 1º, quando foi definida a manutenção do índice, o Comitê de Política Monetária (Copom) destacou que “irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que têm mostrado deterioração em prazos mais longos desde a última reunião”.
Diante desse quadro, Lula criticou a manutenção da Selic em patamar elevado. Disse não haver “justificativa nenhuma” para a taxa estar tão alta, em prejuízo do crescimento do país, e declarou: “É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que deram para a sociedade brasileira”. As declarações foram dadas durante a posse de Aloizio Mercadante na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na segunda-feira (6).
Em entrevista nesta terça-feira (7), Lula destacou: “Não é possível que a gente queira que este país volta a crescer com taxa de 13,75%. Nós não temos inflação de demanda. É só isso. É isso que eu acho que esse cidadão , indicado pelo Senado, tenha possibilidade de maturar, de pensar e de saber como vai cuidar deste país. Ele tem muita responsabilidade”.
Entraves ao crescimento
De fato, a taxa elevada traz entraves para que sejam colocadas em prática medidas de estímulo ao setor produtivo e à geração de emprego e renda, fundamentais para tirar o país do atoleiro, e beneficia apenas o rentismo. “A taxa de juros afeta o desenvolvimento na medida em que é uma das variáveis que compõem os empréstimos bancários. Então toda vez que o industrial vai pegar um empréstimo para desenvolver a sua matriz produtiva, esse empréstimo está mais caro porque uma das variáveis, que é a Selic, aumentou”, explicou ao PV a economista e professora Daniela Cardoso Pinto, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Por outro lado, diz, “se o investidor pega esse dinheiro e ao invés de investir na base produtiva ele aplica no mercado financeiro, remunerado também pela Selic, ele acaba tendo um rendimento maior, ou seja, a Selic maior desestimula o desenvolvimento produtivo brasileiro na medida em que se torna mais rentável você investir no segmento financeiro do que no produtivo”.
Neste mesmo sentido opina o professor Márcio Pochmann, da Unicamp. “Ao descontar da taxa Selic anual de 13,75% a inflação acumulada em 12 meses de 5,79%, resta como taxa real de juros de 7,52% ao ano, a mais alta do mundo. Com isso o banco central independente contribui para manter o aceso ao rentismo e apagado o crescimento econômico”, disse, pelas redes sociais.
A segunda taxa mais alta do mundo, segundo o ICL Economia, é a do México que, descontada a inflação, está em 5,39% ao ano; a terceira é a do Chile, com 4,66%, ambas bem abaixo da brasileira.
Pochmann apontou ainda que “para o Banco Central independente, a cada aumento de um ponto percentual na taxa básica de juros, a dívida líquida do setor público (DLSP) cresce R$ 38 bilhões. Como a Selic aumentou 11,75 pp entre agosto de 2020 (2%) e dezembro de 2022 (13,75%), o impacto na DLSP foi de R$ 446,5 bi. Um gasto improdutivo”.
Além dos impactos sobre a macroeconomia e as políticas governamentais, os juros altos também prejudicam a população, sobretudo aquela que precisa recorrer mais vezes a empréstimos e cartão de crédito. “A Selic também afeta as pessoas, não apenas o sistema produtivo, porque ela também é uma das variáveis que compõem o crédito pessoal que é uma das formas de empréstimo do segmento bancário ao consumidor”, lembra a professora Daniela.
Eduardo Moreira, escritor e engenheiro, membro do Instituto Conhecimento Liberta, falou, em programa do ICL, sobre o impacto que a taxa de juros alta tem sobre o cidadão comum e criticou a forma como a grande mídia tem tratado a questão.
A taxa alta de juros, disse, “nos prejudica no nosso dia a dia, porque o crédito que a gente toma é mais caro, o cartão de crédito é mais caro e o crédito direto ao consumidor também é mais caro. A economia anda mais devagar, as pessoas têm menos emprego, então seria natural que a gente questionasse, seria natural que a gente cobrasse de um presidente da República, que isso fosse questionado. Mas, no momento em que ele questiona, a mídia vem e vem de um jeito atropelado, que escancara o partido que a mídia toma”.
Queda de braço
Nesse cenário, a economista Daniela Pinto vê como “desnecessária” a polêmica envolvendo Lula e o BC, uma vez que ambos compõem o mesmo governo, e defende que haja diálogo entre as partes “sobre o que vai ser feito no âmbito fiscal para que os juros possam ceder”.
Nesta terça-feira (7), Lula declarou: “Ainda não conheço bem o presidente do Banco Central, estive com ele uma única vez. Sempre parto do pressuposto de que as pessoas estão com boa-fé, com boa vontade, de que ele (Campos Neto) quer acertar, quer consertar a economia brasileira, e que a economia precisa voltar a crescer. E para a economia voltar a crescer, é preciso que os juros sejam acessíveis para parte dos investidores brasileiros”.
No mesmo dia, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad declarou que a ata do Copom é “mais amigável em relação aos próximos passos que precisam ser tomados”, em comparação com o comunicado feito logo após a mais recente reunião do Comitê.
O ministro também defendeu uma maior coordenação entre a política fiscal e a chamada política monetária, a cargo do BC, para conter a inflação.“A coordenação tem duas mãos. Não é daqui para lá, é daqui para lá e de lá para cá. O que eu sempre defendo desde a minha primeira entrevista é a harmonização da política monetária e da política fiscal. A ideia é que são braços do mesmo organismo e que tem que trabalhar juntos”, afirmou.
por Priscila Lobregatte | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado