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Segunda-feira, Novembro 4, 2024

“Tchanaze, a donzela de Sena” de Carlos Paradona Rufino Roque

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

Uma obra em segunda edição (a primeira foi em 2009) que resgata a riqueza cultural ancestral africana e a aura de mistério que rodeiam as tradições e os mitos ancestrais africanos numa linha que deu continuidade mágica em “N´Tsai Tchassassa, A Virgem das Missangas”, o seu segundo magnífico romance de 2013 e depois do seu anterior, inicial e sereno navegar pela Poesia em “Gestação do Luar” em 1991.

O ressuscitamento e cruzamento ficcional de mitos, lendas, ritos e tradições ancestrais é a sua imagem de marca.

Estamos, portanto, perante um escritor Moçambicano e Africano de longo curso (porque nos oferece muitas possibilidades de leitura e releitura e, porque muito esperamos dele e da sua sagacidade, talento, engenho e da sua já consolidada maturidade na escrita).

A revalorização e convocação das tradições, dos ritos e dos mitos do grande Zambeze será como que uma recuperação simbólica desse estado civilizacional anterior aos quase fatais golpes de força externos (colonização, aculturação e assimilação) e internos (independência, revolução, socialismo científico, monopartidarismo , pluripartidarismo, democracia, capitalismo e globalização), sua assumpção na escrita moçambicana em língua portuguesa que ganhou hegemonia, estrangulou-a, asfixiou-a, mas não a apagou nem apagará como prova este autor e esta obra e ainda outros autores como Paulina Chiziane que a prefaciou ou Ungulani Ba Kha Kossa que fazem abordagens ficcionais desconstrutivas, críticas e autocríticas das sociedades africanas ancestrais e actuais.

Carlos Paradona Rufino Roque resgata com profundidade os valores tradicionais, valores próprios das culturas de tradição oral de um passado que nunca esteve nem estará ausente de/ em África, convocando-os do passado para o presente rumo ao futuro.

Não se trata de regressar ao passado, mas de trabalhar a modernidade sem renegar o passado ou virar as costas ao rico e vasto património cultural tradicional ancestral que urge hoje mais do que nunca preservar e revalorizar em memória escrita, ainda que ficcionada. É essa a missão do escritor.

Ao trazer estas formas e o imaginário africano, moçambicano e bantu da tradição oral para a sua obra, Carlos Paradona Rufino Roque chama a atenção para todo o manancial e riqueza das culturas bantu moçambicanas africanas mais profundas e enraizadas que já chegaram a ser rotuladas como meras superstições e puro exercício do obscurantismo, primeiro pelo colonialismo e depois pelos conturbados ventos da revolução moçambicana.

Nesta óptica, a recuperação dos valores ancestrais do mundo tradicional bantu, uma vez que é a rejeição clara de posturas exógenas, cumpre uma função histórica e pedagógica de um irreversível processo de desassimilação, de demarcação relativamente ao que é exterior e estranho à(s) cultura(s) genuinamente moçambicana(s) e africanas.

Podemos concluir dizendo convictos que a presença dos modelos de tradição oral neste autor é sabiamente orientada fundamentalmente por um espírito de afirmação claríssima da identidade cultural moçambicana africana e da reafirmação inequívoca da identidade de uma literatura emergente e consolidada por um conjunto de autores variados de grande qualidade.

Por essa razão atrevemo-nos, pois, a afirmar que se quiserem conhecer as entranhas do Moçambique profundo, na misteriosa e labiríntica região do grande Zambeze, mergulhem na aventura desta obra ficcional que este autor generosamente nos oferece.

Segundo o ilustre académico Moçambicano Lourenço do Rosário «As narrativas de tradição “oral” africana têm uma forte componente didáctico – moralizante», isto reflecte-se aqui na sua estruturação magistralmente construída, porque nos ensina que no Moçambique  profundo por vezes oculto os vivos e os mortos, o visível e o invisível se entrelaçam na roda do mundo em que vivemos e por onde caminhamos na eterna dança do quotidiano ao som dos passos do batuque e que há saberes propositadamente ocultos ou adormecidos que devem ver a luz do dia. Por outro lado, não nos esqueçamos que foi indubitavelmente com o mito que a história humana sempre e em toda a parte começou; foi através do mito que os vocábulos, os símbolos originários tomaram a sua primeira forma e cada era nova da história os redescobriu à sua maneira. Ora, como se sabe o processo cultural de onde a literatura de Moçambique emerge tem grande parte das suas raízes mergulhadas no mito, vivificado no quotidiano e presente na visão religiosa ou animista “africana” e religadora do homem à terra e ao transcendente.

Bayete pois para o Escritor Carlos Paradona Rufino Roque..

 

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