Poema inédito de Beatriz Aquino
Te perco aqui
Te perco aqui.
Nessa noite fria.
Nessas ruas ermas e molhadas de uma chuva fina e fria.
Meus olhos fatigados da escrita, cansados da paisagem lá fora.Te perco e chove.
Mas aqui nessas paredes a tua voz não chega.
Teus sonhos não voam e não me alcançam.Te perco nessa noite densa. Sem lua, sem estrelas.
Sem a voz do bêbado a profetizar futuros.
A dizer que o túmulo dos amantes é lugar pouco visitado.
Deve ser porque amores mortos não vendem romances.
Ou vendem e eu não sei.Te perco aqui.
Nessa poesia arrastada e sem beleza.
Sem direção e sem significado.
Teu idioma indecifrado, as planícies geladas da tua terra, as bruxas que dançam no morno crepúsculo, nada disso acrescenta heroísmo ao fato.
Te perco. É tudo.
E essa perda é tão intolerável quanto o grito de um velho a perturbar a serenidade do dia.
Ou o assobio na madrugada cuja melodia não conseguimos adivinhar.
É chato não adivinhar as coisas…Te perco como perco os óculos onde os meus olhos descansam, ou a caixa de fósforos que acende o fogo para o café. Coisas aborrecidas de se perder.
Substituíveis, mas que deixam um amargo na boca quando somem.
E eu nem tomo café.Afinal, para onde vão as caixas de fósforos perdidas? Ou os amores cujo primeiro encontro não conseguimos chegar à tempo?
Não sei.Estou confusa.
Ando pela rua.
Te perco. Assim me disseram.
Examino o interior do casaco, enfio as mãos nos bolsos da calça. Devo parecer ridícula.
Te perco como um incômodo previsto.
Um siso retirado antes do tempo, um louva-deus ressecado na beira de um rio, a metade do corpo de uma frágil borboleta.
Todas essas coisas que nos intrigam, mas que não nos espantam.
Te perco como quem perde um ônibus e sabe que não pode fazer nada além de sentar e esperar que outro venha.
Eu disse, é aborrecido perder as coisas.Termino a caminhada.
O ponto de ônibus está praticamente vazio.
Examino os bolsos da calça mais uma vez e encontro um cigarro.
Mas lembro que não fumo.
Pergunto as horas ao senhor ao meu lado e ele não responde.
Encosto a cabeça no poste e durmo.
O tempo está cansado de mim…
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