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Domingo, Novembro 3, 2024

Tejucupapo segundo Tereza Costa Rêgo

Tereza Costa Rêgo está especialmente ansiosa. Quando a escritora e jornalista Joana Rozowykwiat, sua neta que mora em São Paulo, telefonou informando que cancelaria qualquer compromisso para estar em Olinda no aniversário da avó, a artista enxergou, de repente, a areia escorrendo pela ampulheta.

Foi assim quando fiz 80 anos. Simplesmente não percebi, nunca percebi o tempo passando. Agora, vou fazer 88! Ainda não acredito”

Reflexiva no próprio ateliê, Tereza decidiu: “Vou comemorar este meu aniversário expondo Tejucupapo de qualquer maneira. Nem que tenha que colocar o painel na porta da minha casa”.

Assim, num rompante emocional, Tereza decidiu que não vai mais esperar pelo grande projeto reservado para este que é sua Guernica particular. “Faz quatro anos que o quadro está trancado, empacotado. Na minha cabeça, ele está envelhecendo. Envelhecendo mais rapidamente do que eu. Não consigo mais conviver com esse quadro trancado”, ela diz.

Com impressionantes oito por dois metros de tamanho, o painel segue sendo a peça de culminância de uma grande exposição chamada A história na arte de Tereza Costa Rêgo – uma compilação de cerca de duas dezenas de obras em que a história, essa matéria de que é feita não apenas a obra, mas a vida da artista, será o fio de condução.

Sob a batuta da Relicário, da produtora Carla Valença, o projeto da exposição atravessa os humores instáveis da política cultural no Brasil e os últimos trâmites na Lei Rouanet para que possa, enfim, percorrer três grandes capitais brasileiras. Não há data certa para que isso aconteça. Para alívio de Tereza, contudo, o público pernambucano terá, na próxima sexta – feira (28), dia de seu aniversário, um piloto da grande a exposição com a primeiramexibição pública de Tejucupapo.

Com apoio logístico da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, Fundarpe, a mostra tem sede na Torre Malakoff.

Goya

Maior nome feminino de uma arte moderna feita em Pernambuco, Tereza Costa Rêgo, nós sabemos, tem uma relação intensamente ambígua com seu tempo. Não é apenas intérprete, mas testemunha da história – uma personagem que ora se comporta como ambiência, ora assume o protagonismo mais urgente em sua obra.

A história permeia sua vida: quando a última ditadura avançava sobre o Brasil, ela partiu para o exílio. As curvas da vida a fizeram ver o golpe que matou Allende no Chile, a Revolução dos Cravos em Portugal e, nas muitas esquinas da trajetória, capítulos marcantes da Revolução Cultural Chinesa e da minúscula Albânia de inspiração maoísta desafiando o capitalismo ocidental.

Tereza Costa Rego dedicou dois anos à pintura do painel Tejucupapo (Foto: Daniel Rowykwiat)
Tereza Costa Rego dedicou dois anos à pintura do painel Tejucupapo (Foto: Daniel Rowykwiat)

“Foi tudo muito doloroso, mas não deixa de ter sido um privilégio que aumenta a minha responsabilidade como artista”, diz ela que, exilada em Paris, acabou por fazer um mestrado em história na Sorbonne. “Eu já tinha feito história na USP. Em Paris, ainda mal falando qualquer palavra em francês, acabei por ter meu projeto de mestrado aceito na Sobornne pelo professor (e um dos fundadores da célebre Éscola dos Anales) Pierre Villard. Estudei a formação do proletariado brasileiro. O que foi uma loucura, tanto de minha parte, quanto da dele”, ela ri.

Historiadora bissexta, Tereza Costa Rêgo não consegue aceitar a visão binária e mais esquemática dos antigos livros escolares. “Não dá para acreditar por exemplo, que a Pátria teria se consolidado depois de uma batalha em que os portugueses no meio, os índios de um lado, os africanos escravos de outro, todos organizados em filas, tenha se organizado para expulsar os holandeses e fundar a pátria”, ela diz.

Tereza Costa Rêgo e a pintura têm uma relação de afeto e cumplicidade construída por toda a vida. São duas belas senhoras que caminham de mãos dadas pela paisagem, olhando as belezas e os mistérios do mundo, revelando a fragilidade humana e seus pequenos gestos de bravura ou medo”

Diz o crítico e curador carioca Marcus Lontra, que irá ao Recife falar sobre a obra da artista na abertura da exposição.

Em Tejucupapo, Tereza interpreta, de forma épica, um dos mitos de um dos períodos sempre mais mitificados da história pernambucana e brasileira: a presença e expulsão dos holandeses no Brasil. Se a monumentalidade do painel remete, numa primeira leitura, aos horrores da Guerra Civil espanhola na Guernica de Picasso, os impulsos para a tessitura de Tejucupapo, baseado na história de um pequeno vilarejo do Litoral Norte de Pernambuco de onde um exército holandês teria sido expulso por um grupo liderado por quatro mulheres, têm inspiração numa artista anterior a ambos.

Desde jovem, Tereza tem na cabeça Os Desastres da Guerra, a série de 82 gravuras que tiraram o espanhol Francisco de Goya da condição de pintor dos palácios para o grande gravurista que, com água forte e um detalhismo ultrareal, estampou as atrocidades da Guerra da Independência Espanhola. “São imagens que ficam em nosso inconsciente”, diz ela, unindo a sombra de Goya às guerreiras caboclas de Tejucupapo. “As imagens dessa batalha me acompanham há muito tempo.

E tanto faz se eram quatro ou dez, ou duzentas mulheres. Não acredito na visão esquematizada da história. Mais importante é a sobrevivência do mito. É mais ou menos como o que aconteceu com a minha série sobre o bordel. Tinha fascinação pelo tema, mas recalques antigos para trazê-lo a público. Na maturidade, resolvi vomitar o assunto. Chegou, agora, a hora de Tejucupapo”.

Fonte: Jornal do Commercio | Texto original em português do Brasil

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