Durante duas semanas a zona histórica da cidade de Torres Vedras foi o cenário escolhido para a rodagem do filme “Os vivos, o morto e o peixe frito”, uma adaptação da peça de teatro editada em livro, com o mesmo título, do escritor luso-angolano Ondjaki.
Trata-se de um de dez telefilmes de 60 minutos cada, produzidos pela Ukbar para a RTP. O projecto “Contado por Mulheres” pretende dar a conhecer dez realizadoras portuguesas, de várias gerações mas uma boa parte delas estreantes na realização. Todos os filmes têm como base obras literárias lusófonas e cada um deles é rodado numa cidade da região centro de Portugal.
Em Torres Vedras as filmagens de “Os vivos, o morto e o peixe frito” teve a particularidade de ter uma realizadora mais famosa que os próprios atores. Daniela Ruah estreou-se na representação em Portugal, mas aos 23 anos rumou aos Estados Unidos, país onde nasceu e viveu uma parte da infância. Nos últimos 12 anos fez parte do elenco principal da série policial norte-americana NCIS Los Angeles, que a tornou conhecida em todo o mundo através da interpretação da agente Kensi Blye. Foi nessa série que se estreou na realização, ao dirigir um episódio da 12ª temporada. De regresso a Portugal, Daniela Ruah vive a segunda experiência na realização, com este telefilme para a RTP.
“Os vivos, o morto e o peixe frito” foi criado originalmente para uma emissão radiofónica da RDP África. É uma comédia que tem como pano de fundo os serviços de imigração e o jogo de futebol entre Portugal e Angola durante o campeonato do mundo de futebol de 2006. As personagens são africanas, residentes em Portugal, de diferentes origens e gerações. O elenco é composto pelos atores, Igor Regalla, Soraia Tavares, Daniel Martinho, Mina Andala, Matamba Joaquim, Mauro Hermínio, Nora de Carvalho, Dinarte de Freitas, Cheila Lima e Rosa Villa.
Para José Pinto Carneiro, que escreveu o guião a partir do texto original, dar vida à história foi fácil, porque “já estava cheio de vida, o meu trabalho foi pegar naquele universo todo e condensá-lo”. O argumentista explica que “é uma comédia à moda antiga, de pequenos enganos e equívocos, que se passa num pequeno período de tempo, o ritmo é muito rápido, a comédia é muito eficaz e acho que o público vai gostar”.
Pandora Cunha Telles, produtora da Ukbar Filmes, esclareceu que andou duas semanas à procura de um local para fazer as filmagens e acabou por escolher Torres Vedras, “perto de Lisboa mas um universo completamente diferente”, porque “tem a capacidade de juntar dois mundos, uma malha antiga muito tradicional mas também um lado contemporâneo”.
A exemplo dos outros nove filmes do projecto, também em Torres Vedras a produção recorreu a fornecedores locais, desde a decoração ao catering e os figurantes. Está prevista uma antestreia com a presença dos atores, inserido num programa mais vasto que passará por acções nas bibliotecas e com as escolas.
Laura Rodrigues, presidente da Câmara, também destacou essa vertente pedagógica que resulta da rodagem deste filme em território torriense. “Agradou-nos muito poder haver uma ligação com os estudantes, há uma proposta da produtora para que esse trabalho possa ser feito, de literacia, que é fundamental para criar novos públicos para eventos de natureza cultural”, disse a autarca.
No entender de José Fragoso, director da RTP, “este é um projecto inovador e arriscado, que traz novos nomes para a realização”. Mas tem igualmente o objectivo de “criar património audiovisual, que não perdem actualidade e são elementos históricos”.
Elenco satisfeito com desempenho
Daniel Martinho, com muitos anos de carreira, mostrou-se satisfeito com esta oportunidade de poder mostrar o seu trabalho, algo que não acontece com muita frequência entre os atores negros em Portugal. As barreiras são muitas, como confirma outro actor do mesmo elenco, Mauro Hermínio, com carreira no teatro, que lamenta não haver muitos projectos onde os atores africanos possam ter mais oportunidades para contracenar. No entanto, prefere destacar o espírito muito bom vivido entre toda a equipa.
Para Soraia Tavares, esta é a primeira experiência numa longa-metragem e “está a ser bom, porque retrata muitos clichés africanos de uma forma divertida”. Filmar com Daniela Ruah foi também enriquecedor e a cantora e actriz não poupa nos elogios à realizadora, que considera muito profissional e rigorosa mas ao mesmo tempo dá espaço aos atores para a sua própria criatividade. Na tela apenas tinha contracenado com Igor Regalla, outro jovem actor conhecido das novelas, que confessou o seu entusiasmo em participar neste projecto e com quem mais uma vez faz par romântico.
Dinarte de Freitas, que tem feito carreira nos Estados Unidos, é dos poucos não africanos no elenco e interpreta a personagem do Concertas, que é chamado para reparar a televisão pouco antes da transmissão do jogo de futebol. Desempenha uma personagem simpática e cómica. Ao contrário daquela que é interpretada por Rosa Villa, actriz entusiasmada por poder voltar a trabalhar depois de uma longa paragem devido à pandemia. Faz o papel de uma agente dos serviços de imigração pouco agradável para os africanos à procura de legalização.
Daniela Ruah encantada com a cidade
Daniela Ruah explicou que para este trabalho contou muito a experiência de realização no episódio que fez para a série NCIS Los Angeles, mas sobretudo aquilo que aprendeu como actriz. Por outro lado, elogiou o projecto porque permite que mulheres realizadoras possam fazer algo numa área na qual não têm muitas oportunidades.
Feliz com as filmagens em Torres Vedras, a realizadora confessou que “se não fosse o apoio da Câmara Municipal se calhar não tínhamos atingido metade das coisas que conseguimos fazer”. Sobre os cenários, não poupou elogios à cidade: “a arquitectura, as ruelas, os azulejos nos prédios antigos, uns envelhecidos e outros mais arranjadinhos, trouxe uma linguagem que agora faz parte do filme. Quando cheguei aqui consegui saborear a beleza desta cidade lindíssima e nós tentámos aproveitar ao máximo para vender Torres Vedras nos planos do filme”.