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Sábado, Dezembro 21, 2024

Temos de acordar

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

A produção de plástico começou nos anos 50. Este material novo na época ofereceu grande comodidade e sua produção disparou.

Ainda me lembro do entusiasmo da minha avó e da minha mãe por este material fabuloso que surgia como a panaceia universal do lar, em particular da cozinha. Era barato, resistia bastante, era colorido, tinha utilidades múltiplas. Em vez de andar a recortar restos de tecidos para juntar engraçados quadrados com que fazer a saquinha do pão, ops, já estava, o saco de plástico servia para o lixo orgânico, para ir às compras, para guardar alimentos, em suma para facilitar a vida das mulheres. Nessa altura ainda não havia homens de saco de plástico na mão a passear o cãozinho no jardim.

Lembremos que a Tupperware foi desenvolvida em 1946 por Earl S. Tupper (1907–83) em Leominster, Massachusetts. Coloridas caixas e caixinhas de tamanhos e volumes vários, que até se vendiam em reuniões com chá e bolinhos na casa de donas da mesma. Assim ganhavam uma oportunidade de cuscar nas vizinhas, invadiram de cor a imaginação romântica, primeiro das mulheres americanas dos anos 50 e depois das mulheres europeias dos anos 60 e seguintes. Estes produtos continuam a ser vendida em mais de cem países.

Em 1967 já eram produzidos 25 milhões de toneladas de plástico. Hoje em dia produzem-se 300 milhões de toneladas. A indústria de plásticos vale  hoje 4 triliões de dólares.  Cerca de metade do que produzimos são plásticos de uso único, isto é,  usados uma vez estão transformados em lixo. No  primeiro Dia da Terra,em 1970 começaram os alertas para o perigo desta situação. Desde então a  industria  reagiu com  meios de publicitários, campanhas públicas de divulgação, grupos de força e parcerias com ONG maquilhadas  para parecerem “verdes/limpas”, e começaram a culpar os maus utilizadores dos plásticos pela crescente ameaça e impingindo a ideia de que a reciclagem é a solução. Limitar a produção de plástico é o objetivo que querem fazer esquecer desviando as atenções.

Lauren Feeney uma jornalista que reside em Brooklyn, NY tornou-se respeitada pelo trabalho que produz e se concentra  na pobreza e nos direitos humanos tanto nos EUA como no resto do mundo tem focada grande atenção nesta questão da tentativa de engano do público. Reciclar não é a solução.

Sharon Lerner é uma outra jornalista americana que se interessa pelo impacto dos plásticos na saúde e no meio ambiente.

Acompanho o trabalho de ambas publicado pelo The Intercept e outros meios de comunicação.

A ideia peregrina de que a reciclagem de plásticos resolve o problema da invasão de terras e mares pelos mesmos está  morta. Em 2015, os EUA reciclaram apenas de 9% dos seus resíduos de plástico e, desde então,  este valor vai decaindo. Dos 8,3 biliões de toneladas  produzidas – 79% – acabou em aterros ou foi  enviado para países pobres onde se acumulam perigosamente. O Senegal é um país que visitei e de onde regressei triste e desiludida. A paisagem é plástico.

Por exemplo, em 2017 a  China decidiu  parar de receber a grande maioria dos resíduos de plástico de outros países. saltou a primeira grande tampa onde se escondia a famosa reciclagem. Naquele ano,os EUA tinham enviado 931 milhões de quilos de resíduos plásticos para a China e Hong Kong, negócio que faziam desde 1994, quando a Agência de Proteção Ambiental americana começou a controlar as exportações de plásticos.  Grande parte da sucata de plástico teoricamente “reciclado” que os EUA enviaram para a China foi queimada ou enterrada, em vez de ser transformada em novos produtos.

As notícias terríveis sobre a disseminação de resíduos de plástico em pequenos pedaços estão agora quase em toda parte. Há “microplásticos” no ar dos Pirineus. Microplásticos são transformados em lodo de esgoto e espalhados em campos onde se cultivam alimentos. E, como sabemos, baleias cheias de plástico que costumam aparecer mortas, e os oceanos estão inundados de lixo plástico e agora contêm cerca de 150 milhões de toneladas deste material – uma massa que em breve superará o peso de todos os peixes nos mares. A contaminação está nos alimentos e na água. Água engarrafada, agora também contém plástico de acordo com uma pesquiza feita em 2018. Embora todas as grandes marcas tenham testado positivo para microplásticos, a pior foi a Nestlé Pure Life, que afirma que sua água “passa por um processo de qualidade de 12 etapas, para que você possa confiar em cada gota”.

Não podemos confiar na publicidade paga pelas grandes companhias produtoras que tentam sossegar-nos com uma reciclagem que só recicla os bolsos dos produtores.

Agora, sabemos que o lixo plástico também é causa da extinção de espécies, devastação ecológica e problemas de saúde humana. E porque mais de 99% do plástico é derivado de petróleo, gás natural e carvão – e porque sua destruição também usa combustíveis fósseis – grupos ambientais agora reconhecem o plástico como um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas.

Ilustração: Peixes,  de Beatriz Lamas Oliveira


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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