É disso que se trata quando, ao falarmos de seres humanos, defendemos a sua dignidade intrínseca: só somos humanos quando reconhecidos como tal, com direitos e deveres, e subordinados a uma natureza equilibrada por uma ética responsável capaz de nos tornar coletivos de paz.
Não há estatuto de ser humano em unidades de terror.
É a matriz cultural em que assenta, caso a caso, o governo dos povos que os aproxima ou distancia da noção de direitos humanos. É a sua capacidade de desenvolvimento, aquela que torna o Homem mais próximo do que lhe é intrinsecamente justo, isto é, respeitador do bem precioso da vida e da sua afirmação junto do outro seu igual, que consagra esses direitos.
Povos em retrocesso ou em rejeição, são menos livres. E procuram nos fundamentalismos, nos nacionalismos, nas governações musculadas e no confronto a destruição da Utopia entre utopias.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas afirma que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Não pode ser mais utópico!
Há povos em que a única esperança é a construção de uma jangada e a tentativa da sorte num mar de adversidades.
Em Portugal, por exemplo, passa-se fome. Nem todos têm direito à dignidade, ao trabalho, à casa com água corrente e higiene mínima, a uma prestação política de salubridade garantida. E temos, mesmo assim, valores acima de muitas médias.
O Humanismo infelizmente não é para todos e há exemplos na civilização de como estes direitos não fazem qualquer sentido em certas unidades organizacionais.
Quando os órgãos de comunicação noticiaram, com grande destaque em 21 de Julho de 2016, que a Turquia suspendia a Convenção Europeia dos Direitos Humanos – alegadamente uma suspensão temporária, enquanto vigorasse o estado de emergência no País – sabia-se que o Governo turco atentava contra a dignidade humana e envergonhava os povos que potencialmente mantivessem relações com o seu Estado.
O presidente Recep Tayyip Erdogan justificou a declaração do estado de emergência pela necessidade de “assegurar a democracia” e localizar os responsáveis pela “intentona golpista”.
“Não vão ser proibidos os direitos de reunião e manifestação. Não haverá recolher obrigatório nem qualquer retrocesso nos avanços democráticos”, afirmava então o vice-primeiro-ministro.
O Artigo VI da Declaração Universal não indica nenhum direito específico. Afirma a ideia revolucionária do reconhecimento do estatuto de “pessoa” a todos os seres humanos. É o que garante a todos, homens e mulheres, ricos e pobres, crentes e ateus, nacionais e estrangeiros, em qualquer lugar – o reconhecimento de sua dignidade.
É uma ideia revolucionária. Consagra de forma radical, a compreensão sobre a universalidade dos direitos fundamentais. Define que o ser humano é a fonte de todo o Direito, e este já não deriva de um Deus, ou de uma transcendência, mas da própria natureza humana. De forma revolucionária, aponta o fim das fronteiras nacionais para propor, para todos, o que foi consagrado na bandeira histórica da liberdade, da igualdade e da solidariedade.
Torna-se óbvio, que o Artigo VI não é levado efetivamente a sério. Se o fosse, deixaria de haver distinções: seríamos pessoas, todos nós iguais perante a lei.
O texto da Declaração não faz sentido para aqueles que estabelecem os seus princípios sobre regras não humanas, não democráticas, não laicas. Na Turquia, por exemplo, a vontade de levar o golpe de estado para um plano religioso foi mais forte e o Executivo turco acusou repetidas vezes o clérigo islamita exilado nos Estados Unidos, Fethullah Gülen, de envolvimento na tentativa de golpe de Estado, alegando que dirige uma “organização terrorista”.
“O objetivo não era um golpe de Estado. Era o de matar o presidente Erdogan e conduzir o país a uma guerra a longo prazo com a Síria”, assegurou então o primeiro-ministro, sem que no entanto nada disso se provasse.
A Turquia desafiou o mundo que respeita a Convenção. Abriu perigosíssima exceção: suspendeu-a parcialmente e de acordo com um calendário. Isso faz acreditar que outros poderão fazê-lo. Isto é, consagrar um princípio de que podemos ser Humanos ou não, de acordo com as datas sublinhadas nas nossas vontades.
António Guterres pode vir a ser o Homem ONU dentro de pouco tempo. Sabemos o que pensa sobre os Direitos Humanos e dos desafios dos mesmos para o tão martirizado século XXI que vivemos. Mas Portugal está para além de António Guterres: o nosso País tem sempre uma palavra a dizer nesta matéria. E o Humanismo devia ser o tom para proferi-la.
Este texto respeita as regras do AO 90.